sábado, 19 de abril de 2014

PCCS: um passado que não volta, e um futuro desconhecido

Por décadas a fio a ferrovia foi perdendo a sua importância social, econômica e política no Estado de São Paulo. Basta ao interessado lembrar ou estudar o que ela foi, e comparar com o que ela é. Evidente que igual destino teve o ferroviário, inclusive nos trens “suburbanos”, modernamente denominados metropolitanos, e que apenas ultimamente voltou a experimentar certa valorização, igualmente por conta do capricho de razões igualmente sociais, econômicas e políticas, em virtude do colapso do sistema de transporte individual e coletivo de pessoas sobre pneus.

Como, porém, historicamente o ferroviário dos dias de hoje é herdeiro da fase decadente da ferrovia, ainda mantém um pé naquele período de desmonte e descaso para com o transporte sobre trilhos.

A fase áurea está tão distante que, no que diz respeito ao imaginário das novas gerações de ferroviários, fica a impressão de que nela havia uma categoria heroica. Havia, é verdade, mas em virtude de outro cenário social, econômico e político, que não é necessariamente igual ao do presente. A categoria era tão poderosa, mas tão poderosa, que junto aos portuários e marítimos foi desmantelada, por meio do desmantelamento das ferrovias, portos e marinha mercante.

Nunca mais, porém, voltará ao gigantismo do passado, e mesmo que volte, o “poder” não será o mesmo. Motivo? O expressivo desenvolvimento da informática, telemática, robótica e terceirização substituem postos de trabalho dos ferroviários. Bilheteiros e maquinistas, por exemplo, são funções com dias contados. Não apenas eles, certamente, mas desaparecerão como desapareceram foguistas, maquinistas de manobra, etc.

Ironicamente, porém, a nova geração de ferroviários, com maior grau de escolaridade e convívio com tecnologias em relação à geração passada, no que diz respeito ao PCCS tem se mostrado mais interessada na diferença percentual entre os níveis do que na movimentação horizontal e vertical que desenha o seu futuro.

Parece que a ninguém ocorre o “que fazer” em caso da extinção de funções, e também não se nota preocupação com a ausência de projetos de formação nos esforços estratégicos dos atuais gestores da CPTM. Sindicatos, então, menos ainda, pois reproduzem pensamentos e ações do velho e bom tempo do movimento trabalhista ferroviário do passado, e que não sobreviveu ao declínio da ferrovia.

Não mais teremos de volta o passado, e não temos a menor ideia do que nos reserva o futuro. Fossemos marítimos, nossos irmãos de grandeza de outrora, e eu diria que estamos  deriva.



Rogério Centofanti - SINFERP

quinta-feira, 17 de abril de 2014

A emergente crise das instituições, desvelada nas negociações em curso

Que há uma crise advinda da descrença institucional parece não haver como negar.  Algumas experiências pessoais dão mostra desse desgaste.  Ouvi uma vez, na Assembleia Legislativa de São Paulo, um secretário de Estado refutar a queixa de um deputado da oposição quanto ao distanciamento da “sociedade civil” do debate e do processo decisório, afirmando - e institucionalmente com razão - que os deputados eram os representantes da sociedade civil. Sim, pois tudo o que fazem, e que deixam de fazer, é ou deveria ser, constitucionalmente, em nome do povo. Sendo assim, eles pensam e decidem por nós.

Essa mesma oposição, que no passado defendia a ideia de um “mandato popular”, cada vez mais se afasta da “sociedade civil” [em verdade sociedade burguesa], e torna-se cada vez mais apenas uma das vísceras nas entranhas das regras institucionais que um dia tanto denunciou, e às quais jurou renúncia.

Essa condição docilizada certamente abre espaço para velhas-novas forças que despontam no cenário, mais uma vez como postulantes da esperança de que serão as verdadeiras alavancas da libertação “popular”. Talvez, mas fato é que as atuais forças, no governo, também um dia tiveram o mesmo apelo. Todas elas nasceram da resistência à ditadura militar, ao imperialismo capitalista, etc., mas nenhuma delas mexeu um só dedo para romper com a ditadura econômica e jurídica, embora esta última, convenhamos, refém dos ordenamentos legislativos que as forças de plantão não renovam e nem inovam.

O baixo nível intelectual, científico e artístico de nossos políticos está à mostra para quem quiser constatar, e disso resulta o baixo nível intelectual, científico e artístico de tudo que propõem e apoiam. Lembrando que eles pensam e decidem por nós, ficamos nas mãos desse exército de despreparados. Eleições tornaram-se sinônimo de peças de propaganda, mas passam ao largo de ideias, de projetos e de qualquer outra coisa que tenha a menor proximidade com pensamentos e sentimentos minimamente dotados de alguma originalidade e significância. Apenas slogans e bordões em meio a sorrisos arranjados por implantes, por palavras de ordem que se tornaram caricatas, ou por discursos que expressam apenas um populismo raso e vulgar. A figura de estadistas é apenas referência de passado, bem como a de lideranças políticas e sindicais, longe de serem, no presente, efetivamente inspiradoras de alguma coisa merecedora de atenção. Reina, como disse, a mais completa ausência de balizadores intelectuais, científicos e artísticos.

Não tem sido diferente no movimento sindical. Centrais sindicais nasceram para substituir a estrutura federativa institucionalizada, mas elas próprias tornaram-se instituições, somando-se aos vícios que denunciavam, e apenas aumentando o aparelho da representação, agregando custos, mas nenhum resultado. Como isso aconteceu? A partir do momento que se tornaram correias de transmissão de partidos políticos, como ocorria e ocorre com as federações que visavam superar, e em paralelo às quais hoje caminham, não raro de mãos dadas. Como acontece com os partidos políticos, também no cenário sindical surgem velhas-novas forças, trazendo esperança de liberdade e redenção. Talvez, mas apenas talvez, uma vez que mudam os apelos, cresce o vitimismo e o denuncismo, mas preserva-se, em comum, a mesma matriz institucional que preserva o status quo.

Evidente haver em meu discurso um pano de fundo anárquico, uma vez que descrente do caráter institucional das organizações. Necessariamente dessa forma e sempre? Claro que não. Tivéssemos instituições reconhecidas por suas qualidades, e seríamos todos conservadores em relação a elas, apostando em sua perenidade, pois necessárias à segurança de nossa preservação individual e coletiva. Mesmo as melhores, porém, caducam com o passar do tempo, em virtude de condicionantes que fogem ao seu esforço conservador, e mesmo com qualidades em um dado período, tornam-se anacrônicas em outro vindouro.

Na ausência de representatividade efetiva das instituições surgem movimentos espontâneos, ou ao menos mais ou menos espontâneos, pois nunca tarda a chegada oportunista do parasitismo institucional, a reboque, para colher frutos em benefício próprio. As recentes greves espontâneas têm sido um exemplo disso, assim como os movimentos sociais dos últimos tempos.

Quando se pensa e se fala em reforma ou revolução de papéis representativos na esfera institucional, nada mais próximo e concreto do que a figura do sindicato, uma vez que quase a mão de uma coletividade que, ao menos em tese, sobre ele tem controle de constituição  e ação. Afinal, seu estatuto nada mais é do que um contrato firmado entre associados, e que pode ser alterado quantas vezes for necessário ou desejado. É esse mesmo estatuto, porém, que confere aos seus eternos administradores o poder de mando e desmando sobre tudo e sobre todos, com alicerce em preciosismos por eles mesmos caprichosamente alinhavados.

Nessa medida de nada serve uma nova diretoria, pois, mão beijada, herdará todo um ordenamento estatutário que fará dos novos os mesmos velhos mandarins que conseguiram remover. Gostando ou não, querendo ou não, são essas camarilhas - também elas em boa parte dotadas de questionável alcance intelectual, científico e artístico - que institucionalmente representam uma categoria inteira, e com base em letras miúdas de estatutos que elas mesmas construíram e preservam, pois nelas reside a garantia de seu continuísmo. São elas, camarilhas, que se arvoram a pensar e decidir em nosso nome, e a partir de seus horizontes estreitos.

Enquanto isso não se resolve, toda e qualquer discussão que tenha como foco o papel e a atuação dos sindicatos é de extrema importância, assim como o papel dos partidos políticos e dos próprios políticos, lembrando que essas instituições e seus personagens pouco estão voltados às necessidades e desejos dos que têm por destino representar. Como todos sabem ou intuem, representam apenas seus próprios interesses. Não poderão manobrar indefinidamente.

Rogério Centofanti - SINFERP