Que há uma crise advinda da
descrença institucional parece não haver como negar. Algumas experiências pessoais dão mostra
desse desgaste. Ouvi uma vez, na
Assembleia Legislativa de São Paulo, um secretário de Estado refutar a queixa
de um deputado da oposição quanto ao distanciamento da “sociedade civil” do debate
e do processo decisório, afirmando - e institucionalmente com razão - que os
deputados eram os representantes da sociedade civil. Sim, pois tudo o que fazem,
e que deixam de fazer, é ou deveria ser, constitucionalmente, em nome do povo.
Sendo assim, eles pensam e decidem por nós.
Essa mesma oposição, que no
passado defendia a ideia de um “mandato popular”, cada vez mais se afasta da
“sociedade civil” [em verdade sociedade burguesa], e torna-se cada vez mais apenas
uma das vísceras nas entranhas das regras institucionais que um dia tanto denunciou,
e às quais jurou renúncia.
Essa condição docilizada
certamente abre espaço para velhas-novas forças que despontam no cenário, mais
uma vez como postulantes da esperança de que serão as verdadeiras alavancas da
libertação “popular”. Talvez, mas fato é que as atuais forças, no governo,
também um dia tiveram o mesmo apelo. Todas elas nasceram da resistência à
ditadura militar, ao imperialismo capitalista, etc., mas nenhuma delas mexeu um
só dedo para romper com a ditadura econômica e jurídica, embora esta última, convenhamos,
refém dos ordenamentos legislativos que as forças de plantão não renovam e nem
inovam.
O baixo nível intelectual,
científico e artístico de nossos políticos está à mostra para quem quiser
constatar, e disso resulta o baixo nível intelectual, científico e artístico de
tudo que propõem e apoiam. Lembrando que eles pensam e decidem por nós, ficamos
nas mãos desse exército de despreparados. Eleições tornaram-se sinônimo de
peças de propaganda, mas passam ao largo de ideias, de projetos e de qualquer
outra coisa que tenha a menor proximidade com pensamentos e sentimentos
minimamente dotados de alguma originalidade e significância. Apenas slogans e
bordões em meio a sorrisos arranjados por implantes, por palavras de ordem que
se tornaram caricatas, ou por discursos que expressam apenas um populismo raso
e vulgar. A figura de estadistas é apenas referência de passado, bem como a de
lideranças políticas e sindicais, longe de serem, no presente, efetivamente
inspiradoras de alguma coisa merecedora de atenção. Reina, como disse, a mais
completa ausência de balizadores intelectuais, científicos e artísticos.
Não tem sido diferente no
movimento sindical. Centrais sindicais nasceram para substituir a estrutura federativa
institucionalizada, mas elas próprias tornaram-se instituições, somando-se aos
vícios que denunciavam, e apenas aumentando o aparelho da representação,
agregando custos, mas nenhum resultado. Como isso aconteceu? A partir do
momento que se tornaram correias de transmissão de partidos políticos, como
ocorria e ocorre com as federações que visavam superar, e em paralelo às quais
hoje caminham, não raro de mãos dadas. Como acontece com os partidos políticos,
também no cenário sindical surgem velhas-novas forças, trazendo esperança de
liberdade e redenção. Talvez, mas apenas talvez, uma vez que mudam os apelos,
cresce o vitimismo e o denuncismo, mas preserva-se, em comum, a mesma matriz
institucional que preserva o status quo.
Evidente haver em meu discurso um
pano de fundo anárquico, uma vez que descrente do caráter institucional das
organizações. Necessariamente dessa forma e sempre? Claro que não. Tivéssemos
instituições reconhecidas por suas qualidades, e seríamos todos conservadores
em relação a elas, apostando em sua perenidade, pois necessárias à segurança de
nossa preservação individual e coletiva. Mesmo as melhores, porém, caducam com
o passar do tempo, em virtude de condicionantes que fogem ao seu esforço
conservador, e mesmo com qualidades em um dado período, tornam-se anacrônicas
em outro vindouro.
Na ausência de representatividade
efetiva das instituições surgem movimentos espontâneos, ou ao menos mais ou
menos espontâneos, pois nunca tarda a chegada oportunista do parasitismo
institucional, a reboque, para colher frutos em benefício próprio. As recentes greves
espontâneas têm sido um exemplo disso, assim como os movimentos sociais dos
últimos tempos.
Quando se pensa e se fala em
reforma ou revolução de papéis representativos na esfera institucional, nada
mais próximo e concreto do que a figura do sindicato, uma vez que quase a mão
de uma coletividade que, ao menos em tese, sobre ele tem controle de
constituição e ação. Afinal, seu
estatuto nada mais é do que um contrato firmado entre associados, e que pode
ser alterado quantas vezes for necessário ou desejado. É esse mesmo estatuto,
porém, que confere aos seus eternos administradores o poder de mando e desmando
sobre tudo e sobre todos, com alicerce em preciosismos por eles mesmos caprichosamente
alinhavados.
Nessa medida de nada serve uma
nova diretoria, pois, mão beijada, herdará todo um ordenamento estatutário que
fará dos novos os mesmos velhos mandarins que conseguiram remover. Gostando ou
não, querendo ou não, são essas camarilhas - também elas em boa parte dotadas
de questionável alcance intelectual, científico e artístico - que
institucionalmente representam uma categoria inteira, e com base em letras
miúdas de estatutos que elas mesmas construíram e preservam, pois nelas reside
a garantia de seu continuísmo. São elas, camarilhas, que se arvoram a pensar e
decidir em nosso nome, e a partir de seus horizontes estreitos.
Enquanto isso não se resolve,
toda e qualquer discussão que tenha como foco o papel e a atuação dos
sindicatos é de extrema importância, assim como o papel dos partidos políticos
e dos próprios políticos, lembrando que essas instituições e seus personagens
pouco estão voltados às necessidades e desejos dos que têm por destino
representar. Como todos sabem ou intuem, representam apenas seus próprios
interesses. Não poderão manobrar indefinidamente.
Rogério Centofanti - SINFERP