sexta-feira, 4 de julho de 2014

A minuta do PPR 2014

Eis a minuta do Acordo Coletivo do Programa de Participação nos Resultados - PPR 2014. 

Observe, nela, que vários indicadores, dentre eles o "referente ao planejamento estratégico", fogem à responsabilidade direta dos desempenhos dos ferroviários.







terça-feira, 24 de junho de 2014

‘É o momento de o Judiciário acertar o passo com a sociedade’, diz presidente do TJSP

José Renato Nalini cria conselho popular que rompe com tradição secular e aproxima a toga das ruas

O Tribunal de Justiça de São Paulo rompeu com uma tradição secular da toga e criou o Conselho Consultivo Interinstitucional para atuar como canal de comunicação direto com a sociedade.

Com 23 assentos, dos quais 11 destinados a “cidadãos brasileiros natos, com mais de 35 anos, vinculados às universidades, institutos de pesquisa, imprensa, associações setoriais e movimentos sociais”, o colegiado poderá dar sugestões e recomendações inclusive sobre a melhor aplicação do orçamento, direcionamento e uso de verbas do TJ.

A gestão de seus próprios recursos é um tabu nos tribunais. Preparados e qualificados para a ciência do Direito, os magistrados não têm nenhuma aptidão para trabalhar com finanças, salvo exceções.  Uma saída para esse impasse que angustia a toga poderá ser o Conselho, imaginado e criado por José Renato Nalini, desembargador presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Os integrantes do colegiado não terão remuneração.

O próprio Nalini vai acumular a direção do Conselho e do TJ, maior corte estadual do País com 2,3 mil magistrados de primeiro grau, 360 desembargadores, quase 50 mil servidores e 20 milhões de processos. “O Judiciário é o mais hermético dos poderes”, adverte o desembargador.

Ao editar a Portaria 8964/14 Nalini lançou o desafio de enfrentar o que já havia identificado especialmente no período entre 2012 e 2013, quando exerceu o cargo de corregedor geral da Justiça de São Paulo. “Inexistência de espaços de diálogo orientados à discussão e produção de diagnósticos acerca de temas de interesse da Justiça.”

Defende a “democracia participativa” – embora flagrante a resistência de muitos de seus pares -, como “imperativo da transparência, corolário do princípio da publicidade”.

O desembargador considera a necessidade de a cúpula da corte dispor de um órgão consultivo e de assessoramento para a tomada de decisões que envolvam temas sensíveis e de grande impacto institucional e social. Ele condena o modelo arcaico da Justiça que privilegia a criação de novos cargos e novos tribunais. “É mais cômodo continuar assim.”

ESTADO – Qual a meta do Conselho?

José Renato Nalini: O Conselho é uma forma de fazer com que a sociedade civil se interesse por um equipamento que ela sustenta. Um equipamento que tende a crescer até o infinito. Estamos vivendo uma epidemia de judicialização. Quase 100 milhões de processos no País. Temos mais de 800 mil advogados, 17 mil juízes, 15 mil promotores, 6 mil defensores públicos, quantos milhares de procuradores, de delegados de polícia, tabeliães, registradores públicos. Há uma excessiva jurisdicização da vida.

ESTADO – Como surgiu a ideia de abrir os destinos da Corte?

Nalini: O Poder Judiciário sempre foi o mais hermético dos poderes, o mais distanciado, tanto que aqui no Brasil não se discute muito a questão da legitimidade. A França tem uma discussão recorrente, que o juiz não se submete ao sufrágio, então tem um déficit de legitimidade. O nosso Judiciário, como poder da República, carecia de um diálogo mais intenso com a sociedade.

ESTADO – Na prática a sociedade civil poderá fazer sugestões ao Tribunal?

Nalini: O Direito passou a ser um ingrediente diário do convívio e a única resposta que o pessoal dá para os problemas é a judicialização, entrar em juízo. O Conselho vai auxiliar a administração do Tribunal a pensar o orçamento, os investimentos, a informatização, a intensificar a conciliação. Avaliar se as opções que estamos tomando são as mais acertadas. É um diálogo com a sociedade que se inaugura.

ESTADO – Quem mais poderá compor o colegiado?

Nalini: O Conselho terá cadeira para os demais poderes e também para OAB, Defensoria Pública, Ministério Público, Polícia Militar, Polícia Civil, além dos 11 representantes da sociedade civil, de institutos de pesquisa, universidades, por exemplo. É um colégio representativo de vários setores da lucidez para ajudar a pensar junto. A grande surpresa foi que assim que publicada a instituição do Conselho muitas entidades começaram a pleitear assento, querer participar. A OAB, que foi solicitada a indicar um representante, mandou três. É evidente que não vamos com isso substituir os órgãos de comando, mas a administração será assessorada por um Conselho que tem representatividade para trazer a voz da sociedade civil para dentro do Tribunal.

ESTADO – Por que a Justiça sempre se manteve distante?

Nalini: O Judiciário não tem a iniciativa da ação, só responde se for provocado. O princípio da inércia contaminou a administração do Judiciário, que ficou parado no tempo. É o momento de o Judiciário acertar o passo com a sociedade, dar uma prestação jurisdicional mais rápida, mais eficiente, assumir as tecnologias. Não vamos substituir os órgãos de comando, mas a administração será assessorada por um Conselho com representatividade na sociedade civil. O juiz tem que se conscientizar que hoje é um agente que tem de pensar nas consequências concretas da sua decisão. Precisamos pensar aquilo que estamos fazendo, aquilo que estamos decidindo.

ESTADO – O Conselho pode contribuir para evitar o inchaço da máquina?

Nalini: Acredito que a partir da existência de um colegiado que representa a sociedade, o Conselho vai poder fazer propostas, por exemplo, de campanhas de conscientização, comparando os números do Brasil com os números da comunidade mais civilizada, mais adiantada.

ESTADO – O Judiciário usa mal seu orçamento?

Nalini: As grandes reformas não vieram, não veio reforma política, não veio reforma tributária, não veio a previdenciária, como deveria ter, e não veio também a profunda reforma estrutural da Justiça. Continua, por exemplo, a aposentadoria com 70 anos. Estou expulsando todo dia aqui, e logo chegará a minha vez, gente que fica pelo menos vinte anos, senão trinta, recebendo proventos integrais e quantos outros eu terei que colocar no lugar ganhando a mesma coisa que ele ganhava e continuará ganhando? Está havendo aparentemente um excesso de investimento para um resultado que não é satisfatório. Por que chegam tantos processos, tantas pretensões tecnificadas, repetidas tecnicamente perante o Judiciário? Será que não temos outra forma de enfrentar a não ser fazer o juiz se manifestar? Será que isso é bom para o Brasil? Acredito que essa é a discussão que se legitima no momento.

ESTADO – O Judiciário é alheio às ruas?

Nalini: A sociedade está produzindo infrator cada vez mais jovem, mais novo. E nós vamos combatendo os efeitos, sem investir adequadamente nas causas. O Judiciário não pode participar dessa discussão? Há uma judicialização excessiva. Para nós que somos de dentro poderíamos ter um pensamento confortável, eu recebendo o meu salário, tendo funcionários para me servir e, a cada momento em que se pedir uma vara, cria-se uma vara, cria-se mais um tribunal, mais uma Comarca. O melhor dos mundos para o público interno. Mas será que isso é bom para o Brasil?

ESTADO – Por que chegamos a esse impasse?

Nalini: Será que o brasileiro já prestou atenção no fato de o Brasil possuir faculdades de Direito em número superior ao número de todas as faculdades que existem em todo o mundo? Por isso somos a sociedade mais justa do planeta, pelo fato de insistirmos tanto na formação jurídica? Ela é essencial, mas ela tem que se traduzir num convívio mais justo, de menos desigualdade, de menos injustiça. Estamos caminhando no ranking do encarceramento, temos 700 mil encarcerados, inclusive em regime domiciliar que também tem status de preso. Somos o terceiro, atrás apenas dos Estados Unidos e da Rússia. Passamos a India! Será que as pessoas se dão conta de que um menor abrigado na Fundação Casa custa R$ 9 mil por mês? Será que uma educação de primeiro mundo custa isso?

ESTADO – O Conselho vai atuar em que área?

Nalini: É para todas as questões administrativas. Sempre se pregou, foi sempre um ideal teórico, a participação popular na administração da Justiça. Os dois únicos exemplos que a doutrina mostra são o júri, que o cidadão faz parte, e a Justiça Eleitoral quando você recruta o trabalho da cidadania para ajudar nas eleições. Mas agora temos outro modelo, de repente pode ser alguma coisa que se institua. Estamos em um déficit de diálogo com a sociedade porque o Judiciário sempre foi um Poder que levou ao paroxismo a inércia, que é um princípio processual, um princípio ainda relativo.

ESTADO – Qual deve ser o primeiro tema a ser pautado?

Nalini: Vamos fazer a instalação oficial do Conselho, que eu gostaria de fazer ainda em junho, mas com a Copa, provavelmente deve ficar para agosto. A ideia é dar a agenda para eles mesmos, o que eles sugerirem fazer, mas acredito que há muitos temas a serem discutidos. Acho que a opção pela conciliação, a experiência dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania. Um Centro equivale a nove varas. É uma economia considerável para a sociedade que sustenta o Judiciário e temos que disseminar essa prática.

ESTADO – Qual a sua sugestão para dar rapidez aos processos?

Nalini: Estratégias de aceleração da prestação jurisdicional, simplificação dos procedimentos, enfrentar esse tema que os processualistas ainda não conseguiram definir. A diferença entre processo e procedimento. Porque procedimento pode ser objeto de legislação estadual, não conseguimos produzir uma lei que altere procedimento por causa deste impasse. A gente vai acelerar, ah não, isso é processo, então qual a diferença entre processo e procedimento? Temos que cobrar isso dos processualistas, essa diferença.

ESTADO – O Conselho pode opinar sobre o uso de verbas para determinada região?

Nalini: É um colegiado para aconselhar, consultivo, terá a voz de uma representação bem consistente, basta verificar os órgãos que estão participando. Não é uma coisa inócua, acredito que o próprio Órgão Especial e o Conselho Superior da Magistratura vão se pautar bastante pelo que o Conselho recomendar.

ESTADO – Há resistência interna ao Conselho?

Nalini: A ideia foi uma coisa na democratização. Acho que o grande passo que essa gestão pode dar é a conscientização da sociedade em relação a um serviço público. Judiciário sempre foi mais considerado expressão da soberania estatal, um Poder da República que deve conviver em harmonia e de forma independente com os demais Poderes do que como serviço público. Essa expressão serviço público ainda causa um pouco de resistência entre os mais conservadores, e é muito difícil o magistrado que é recrutado depois de um concurso severíssimo, uma corrida de obstáculos com milhares de concorrentes assimilar isso.

ESTADO – Por quê?

Nalini: Ele já entra muito consciente da sua importância, aí quando você começa a frisar esse discurso do servidor, que você é prestador de serviços e tem que prestar contas à sociedade, não é todo mundo que aceita com facilidade isso. Acredito que uma contribuição que se pode dar em uma gestão é fazer o Judiciário se auto refletir, fazer um exame de consciência como serviço publico. Como está sendo a prestação? Ela é eficiente, poderia ser melhor, dá para ser aperfeiçoada? A prestação jurisdicional deve ser o que? Uma resposta que solucione o problema ou que seja apenas uma resposta técnica ao problema? Quem é que fez um levantamento para mostrar qual a porcentagem de decisões judiciais meramente processuais, mas que não solucionam o problema que deu origem ao processo?

ESTADO – Decisões judiciais não são suficientes?

Nalini: O excesso de prestigio ao processo, que é instrumento de realização do justo e não uma finalidade em si, pode ocasionar esse fenômeno de que uma grande parcela das decisões não soluciona, às vezes até agrava o problema. Mas é uma resposta processual que deixa o juiz mais conservador em paz com sua consciência. Ele reflete ‘não sou tutor de pessoas maiores e capazes’. Questões processuais podem inspirar decisão, mas não resolvem o conflito. É muito importante que nós façamos com que o juiz se conscientize de que ele hoje é um agente que tem de pensar nas consequências concretas da sua decisão depois de proferidas. Isso está previsto no Código de Ética da Magistratura Nacional, que o Conselho Nacional de Justiça editou em 2007. O consequencialismo passou a ser, então, um vetor do controle de legitimidade de decisões. Precisamos pensar o que estamos fazendo, o que estamos decidindo.

ESTADO – Então, o papel da Justiça não é simplesmente aplicar sentenças?

Nalini: Nós não podemos esquecer que o princípio da eficiência foi colocado na Constituição 10 anos depois talvez pensando no Judiciário que, como administração pública, precisa ser eficiente, isto é, dar uma resposta que resolva, não apenas uma solução técnica que deixa o conflito ali às vezes mais agravado, que deixa a parte frustrada. O indivíduo entrou em juízo mas não teve a solução, embora teve a resposta. O Judiciário não pode esquecer que a Emenda 45 (reforma do Judiciário) explicitou um direito fundamental que já era extraído do sistema, o inciso 48 do artigo 5.º, ou seja, o direito a uma prestação jurisdicional célere, a questão de acertar os passos com a sociedade que tem um ritmo que a Justiça de certa forma não conseguiu acompanhar, embora haja toda uma tecnologia disponível.

ESTADO – O modelo está esgotado?

Nalini: Todos esses temas são do público interno, mas também do público externo. Se o modelo não vier a ser repensado o Judiciário tem uma grande facilidade de crescer, em mostrar que precisa de mais juízes, mais funcionários, e aí nós vamos criar uma estrutura que dificilmente a sociedade terá condições de arcar com esse ônus porque a criação vem em cadeia, em cascata.

ESTADO – Como?

Nalini: Você cria um cargo de juiz sempre pressupondo que vamos precisar de pelo menos uns 20 funcionários para atender a estrutura mínima para o funcionamento da Vara. Aí o Ministério Público cria um cargo de promotor com mais alguns funcionários. E precisa de mais defensor, mais estrutura, mais Polícia Militar, mais policial civil. Tudo isso vai inchando a máquina. De repente você pode resolver os problemas de outra forma também. Será que todas as questões têm que ser remetidas ao Judiciário? Tenho sempre levantado essa questão, e não para aliviar o Judiciário, reduzir o serviço da Justiça. É que se você começa a considerar a Justiça um bem que é suscetível de ser convertido em uma bolsa, bolsa-Justiça, então tem sempre um defensor, um advogado pro-bono exercendo a Justiça gratuita para fazer com que as pessoas entrem em juízo.

ESTADO – Qual a consequência?

Nalini: Com isso você desacostuma a pessoa a protagonizar os seus interesses mediante um exercício de autonomia. Eu tenho que saber conversar com meu adverso, sentar em uma mesa, dialogar, tentar acertar as contas com ele, fazer acordo, que é transigir, mas também entender o ponto de vista alheio. Caso contrário, ao invés de termos cidadania, teremos uma população infantilizada, puerilizada, que para tudo precisa de um advogado para entrar em juízo. O advogado é essencial na administração da Justiça? É, mas a administração da Justiça não precisa ser a judicialização de todos os problemas, pode ser um acompanhamento para uma tentativa de acordo.

O Estado de São Paulo - Fausto Macedo e Mateus Coutinho – 23/06/2014

domingo, 15 de junho de 2014

Ferroviários ficarão defasados até quando?

As práticas dos sindicatos de ferroviários no acordo que acaba de ser celebrado, além de alimentadas pelo discurso míope e absolutamente equivocado de que dissonantes fizeram “uso político” do momento são agora, depois de desdobramentos da greve dos metroviários, regadas por um apelo paternal: preocuparam-se em preservar os empregos dos pais de família da ferrovia.

Como são bons! Limpam a negociação de uso político “dos outros”, e preservam os empregos de seus representados. O preço disso é a aceitação e acatamento das políticas ditadas pelos “patrões”, em troca da conservação dos empregos atuais e acompanhada de algumas migalhas.

Os três sindicatos adotaram a mesma política paternal, assim como os respectivos discursos. Criaram, finalmente, a tão desejada “unidade de ação”, permeada pela mesma política adotada em comum: isolamento dos descontentes e centralização do poder decisório, depois maquiada na forma “democrática” de assembleias controladas, e Isso tudo em nome da defesa paternal do emprego dos ferroviários. Lembrando que todo paternalismo tem caráter autoritário, e está posto o desenho.

Parcela de ferroviários agradece. Afinal, “pinga, mas tem”, “mais vale um pássaro na mão do que dois voando”, “antes pouco do que nada” e outras expressões bem conhecidas no repertório do comodismo e do conformismo, principalmente dos que têm mais tempo de casa e, portanto, mais tempo de hábito cultivando o passar do tempo na espera da sonhada aposentadoria.

Lamentavelmente, são pessoas nessa condição que majoritariamente ocupam cargos de direção nos sindicatos ferroviários. Nessa medida, errôneo dizer que representam a categoria. Elas representam apenas o próprio status quo. Ouve-se por ai: “precisamos conquistar aos poucos”, “não adianta lutar contra o mais forte”, etc.

Isso é facilmente encontrado nos comunicados dos três sindicatos, mas principalmente em seus representantes nas redes sociais, onde estão sempre presentes por meio de atitudes típicas de uma flagrante operação “abafa”, visando desmobilização e conformismo.

Que fazer? Remover os diretores de seus cargos? Em boa medida impossível. Necessário, porém, fazê-los repensar o papel dos sindicatos, e consequentemente o próprio papel deles. Afinal, essa possibilidade não está negada a ninguém.

Fato é que, mantida essa política paternalista adotada por todos eles, e não é difícil prever o que acontecerá com os ferroviários nos próximos anos. Alijamento da categoria do processo negocial, ênfase nas cláusulas denominadas sociais (uma vez que assistencialistas), baixo valor de conquista nas cláusulas econômicas, e o mais completo descuido com o que de fato interessa para o futuro de novas gerações na ferrovia – as carreiras e suas movimentações horizontais e verticais, inclusive com previsão de realocação interna em caso de extinção de postos de trabalho. O ferroviário está desaparecendo, sendo substituído por “terceiros”, e eles nem mesmo percebem. Impera a lógica do que “quando isso acontecer não estarei aqui”.

Terminada a negociação deste ano, e eles voltarão à mesmice de costume, isto é, ao nada, retornando apenas no início do próximo ano, quando da proximidade da data-base. Enquanto perdurar essa mentalidade e essa rotina que se arrasta por décadas, e iremos acumulando perdas sobre perdas, em todos os planos das relações de trabalho – ideológica, intelectual, tecnológica, social, econômica e profissional.
A vida econômica, social e política das nações não é a mesma na qual foram forjadas gerações anteriores. Nessa medida, adequam-se aqueles que de forma direta ou indireta influenciam em nossos destinos, ou estaremos irremediavelmente perdidos.

terça-feira, 10 de junho de 2014

O uso abusivo e indevido do termo “política” nas negociações dos metroviários e dos ferroviários

O termo “política” foi e continua sendo usado e abusado nas negociações dos metroviários e dos ferroviários, mas quase sempre de maneira indevida.

Na greve dos metroviários, que não teve ao menos por enquanto os resultados esperados pelos dirigentes sindicais, conside-rando os esforços dispendidos, o termo política foi adotado por analistas de imprensa e do governo do Estado de São Paulo para desqualificar o movimento.

- A greve é política, disseram.

Ora, a greve é uma ferramenta da negociação, e toda negociação é política, ao menos pelo entendimento que consiste em concebê-la como a um conjunto de “meios adequados à obtenção de qualquer vantagem”, conforme definido por Thomas Hobbes. Se o meio escolhido é o da diplomacia ou o do confronto, trata-se de outra discussão. A greve, meio do confronto, é uma ferramenta da negociação, assim como a discussão em torno de uma mesa, e que correspondente ao meio diplomático. Dizer, portanto, que greve é política, é o mesmo que não dizer nada além do evidente, pois apenas ferramenta possível de um processo tipicamente político que é a negociação.

- Ah, poderá alguém dizer, mas esta greve tinha ingrediente partidário.

Parece que sim. Nesse caso, porém, não cabe apenas dizer que política, uma vez que carece de adjetivo – partidária. Do outro lado, o governo quer nos fazer crer que conduz a negociação na qualidade de representante dos interesses públicos, adotando, nela, o conceito de Hobbes que citamos a título de balizamento para esta discussão. Em parte sim, mas governo é composto por elementos partidários e, nessa medida, nada faz que não tenha interesse partidário. Quando, em uma negociação, saber se os agentes públicos estão sendo políticos ou políticos partidários, lembrando que são as duas coisas?

O Metrô, enquanto empresa, é gerido por administradores sustentados por interesses partidários, assim como a CPTM.

Como, nesse cenário, pretender questionar interesses partidários na greve dos metroviários, se Metrô e Governo são, em boa medida, partidários em suas ações diretas e indiretas? Assim, se houve partidarização na negociação dos metroviários, houve dos dois lados, e ambos tirarão proveito desse movimento, e dos desdobramentos dele, na campanha eleitoral (partidária) que se aproxima.

Fato é que, se a greve teve motivação partidária, as retaliações do Metrô e do governo tiveram intenção igualmente partidária, na medida em que dispensaram por justa causa (uma decisão política e não meramente administrativa) os ativistas do sindicato, presumivelmente, portanto, ativistas partidários. “Grupelhos”, na linguagem do governo.

Pior do que isso foi e continua sendo a negociação dos ferroviários, onde os sindicatos usaram o termo política, em impressos e discursos, como forma de desqualificar os descontentes com suas atuações.

O Sindicato de São Paulo chegou a escrever que grupos com “interesses escusos e objetivos políticos” criaram “tumulto para desestabilizar a ordem”. Sindicatos da Sorocabana e Central falaram, em boletim conjunto, que a “desordem orquestrada nas redes sociais tem cunho político e pessoal”. Todos, portanto, adotaram uma mesma política, isto é, “meios adequados à obtenção de qualquer vantagem”, ainda de acordo com o mesmo Hobbes, usando o termo como se política fosse uma prática dos “outros”.

- Qual vantagem? - poderá alguém perguntar.

No mínimo a vantagem de afastar opiniões e posições contrárias, uma vez que se arvoraram na decisão política de controle da ordem, seja lá o que entendam por isso, mas, certamente, expressão de uma política nitidamente autoritária. O que houve, portanto, foi um embate político, durante o processo negocial, e no plano interno da categoria, entre os que se apoderam da forma e destino da decisão política de negociar com a CPTM, visivelmente orientada para com ela estabelecer uma relação diplomática, e os que não se contentaram com essa orientação, mesmo porque não puderam participar de tal decisão.

Se, de um lado os três sindicatos optaram por manter com a empresa uma relação diplomática, com as dissidências internas optaram por estabelecer uma relação de confronto. A política diplomática adotada por eles todos, em conjunto com a CPTM, criou as condições “fechadas” para o que chamaram de “ordem”. Eles, portanto, decidiram entre si o que o que seria a “ordem”. Fora dela, posto que não consultados para essa decisão política dos sindicatos, ficaram aqueles acusados de promover “tumulto para desestabilizar a ordem” (desenhada por eles), com interesses “escusos” (diferente dos deles), e com “objetivos políticos” (contrários aos objetivos comuns aos deles).

Não se pode dizer, no caso dos ferroviários, que houve participação partidária do lado dos trabalhadores, embora inevitável da parte da CPTM e do governo do Estado de São Paulo. Afinal este ano foi, na administração do Sr. Bandeira e do governador em exercício, o primeiro, no período de quatro, que não ocorreu greve, poupando à eles um desgaste político partidário em ano de Copa e Eleitoral, duas atividades nitidamente políticas, e com dividendos partidários.


Como se pretendeu demonstrar, o termo “política” não faz, em si, nenhum sentido para qualificar ou desqualificar quem quer que seja. Não se pode, porém, desconsiderar os resultados de todas as políticas envolvidas no processo negocial, e isso o tempo irá apontar. Logo mais e saberemos avaliar quem ganhou e quem perdeu com os embates e com a diplomacia, nos planos internos e externos. 

sábado, 19 de abril de 2014

PCCS: um passado que não volta, e um futuro desconhecido

Por décadas a fio a ferrovia foi perdendo a sua importância social, econômica e política no Estado de São Paulo. Basta ao interessado lembrar ou estudar o que ela foi, e comparar com o que ela é. Evidente que igual destino teve o ferroviário, inclusive nos trens “suburbanos”, modernamente denominados metropolitanos, e que apenas ultimamente voltou a experimentar certa valorização, igualmente por conta do capricho de razões igualmente sociais, econômicas e políticas, em virtude do colapso do sistema de transporte individual e coletivo de pessoas sobre pneus.

Como, porém, historicamente o ferroviário dos dias de hoje é herdeiro da fase decadente da ferrovia, ainda mantém um pé naquele período de desmonte e descaso para com o transporte sobre trilhos.

A fase áurea está tão distante que, no que diz respeito ao imaginário das novas gerações de ferroviários, fica a impressão de que nela havia uma categoria heroica. Havia, é verdade, mas em virtude de outro cenário social, econômico e político, que não é necessariamente igual ao do presente. A categoria era tão poderosa, mas tão poderosa, que junto aos portuários e marítimos foi desmantelada, por meio do desmantelamento das ferrovias, portos e marinha mercante.

Nunca mais, porém, voltará ao gigantismo do passado, e mesmo que volte, o “poder” não será o mesmo. Motivo? O expressivo desenvolvimento da informática, telemática, robótica e terceirização substituem postos de trabalho dos ferroviários. Bilheteiros e maquinistas, por exemplo, são funções com dias contados. Não apenas eles, certamente, mas desaparecerão como desapareceram foguistas, maquinistas de manobra, etc.

Ironicamente, porém, a nova geração de ferroviários, com maior grau de escolaridade e convívio com tecnologias em relação à geração passada, no que diz respeito ao PCCS tem se mostrado mais interessada na diferença percentual entre os níveis do que na movimentação horizontal e vertical que desenha o seu futuro.

Parece que a ninguém ocorre o “que fazer” em caso da extinção de funções, e também não se nota preocupação com a ausência de projetos de formação nos esforços estratégicos dos atuais gestores da CPTM. Sindicatos, então, menos ainda, pois reproduzem pensamentos e ações do velho e bom tempo do movimento trabalhista ferroviário do passado, e que não sobreviveu ao declínio da ferrovia.

Não mais teremos de volta o passado, e não temos a menor ideia do que nos reserva o futuro. Fossemos marítimos, nossos irmãos de grandeza de outrora, e eu diria que estamos  deriva.



Rogério Centofanti - SINFERP

quinta-feira, 17 de abril de 2014

A emergente crise das instituições, desvelada nas negociações em curso

Que há uma crise advinda da descrença institucional parece não haver como negar.  Algumas experiências pessoais dão mostra desse desgaste.  Ouvi uma vez, na Assembleia Legislativa de São Paulo, um secretário de Estado refutar a queixa de um deputado da oposição quanto ao distanciamento da “sociedade civil” do debate e do processo decisório, afirmando - e institucionalmente com razão - que os deputados eram os representantes da sociedade civil. Sim, pois tudo o que fazem, e que deixam de fazer, é ou deveria ser, constitucionalmente, em nome do povo. Sendo assim, eles pensam e decidem por nós.

Essa mesma oposição, que no passado defendia a ideia de um “mandato popular”, cada vez mais se afasta da “sociedade civil” [em verdade sociedade burguesa], e torna-se cada vez mais apenas uma das vísceras nas entranhas das regras institucionais que um dia tanto denunciou, e às quais jurou renúncia.

Essa condição docilizada certamente abre espaço para velhas-novas forças que despontam no cenário, mais uma vez como postulantes da esperança de que serão as verdadeiras alavancas da libertação “popular”. Talvez, mas fato é que as atuais forças, no governo, também um dia tiveram o mesmo apelo. Todas elas nasceram da resistência à ditadura militar, ao imperialismo capitalista, etc., mas nenhuma delas mexeu um só dedo para romper com a ditadura econômica e jurídica, embora esta última, convenhamos, refém dos ordenamentos legislativos que as forças de plantão não renovam e nem inovam.

O baixo nível intelectual, científico e artístico de nossos políticos está à mostra para quem quiser constatar, e disso resulta o baixo nível intelectual, científico e artístico de tudo que propõem e apoiam. Lembrando que eles pensam e decidem por nós, ficamos nas mãos desse exército de despreparados. Eleições tornaram-se sinônimo de peças de propaganda, mas passam ao largo de ideias, de projetos e de qualquer outra coisa que tenha a menor proximidade com pensamentos e sentimentos minimamente dotados de alguma originalidade e significância. Apenas slogans e bordões em meio a sorrisos arranjados por implantes, por palavras de ordem que se tornaram caricatas, ou por discursos que expressam apenas um populismo raso e vulgar. A figura de estadistas é apenas referência de passado, bem como a de lideranças políticas e sindicais, longe de serem, no presente, efetivamente inspiradoras de alguma coisa merecedora de atenção. Reina, como disse, a mais completa ausência de balizadores intelectuais, científicos e artísticos.

Não tem sido diferente no movimento sindical. Centrais sindicais nasceram para substituir a estrutura federativa institucionalizada, mas elas próprias tornaram-se instituições, somando-se aos vícios que denunciavam, e apenas aumentando o aparelho da representação, agregando custos, mas nenhum resultado. Como isso aconteceu? A partir do momento que se tornaram correias de transmissão de partidos políticos, como ocorria e ocorre com as federações que visavam superar, e em paralelo às quais hoje caminham, não raro de mãos dadas. Como acontece com os partidos políticos, também no cenário sindical surgem velhas-novas forças, trazendo esperança de liberdade e redenção. Talvez, mas apenas talvez, uma vez que mudam os apelos, cresce o vitimismo e o denuncismo, mas preserva-se, em comum, a mesma matriz institucional que preserva o status quo.

Evidente haver em meu discurso um pano de fundo anárquico, uma vez que descrente do caráter institucional das organizações. Necessariamente dessa forma e sempre? Claro que não. Tivéssemos instituições reconhecidas por suas qualidades, e seríamos todos conservadores em relação a elas, apostando em sua perenidade, pois necessárias à segurança de nossa preservação individual e coletiva. Mesmo as melhores, porém, caducam com o passar do tempo, em virtude de condicionantes que fogem ao seu esforço conservador, e mesmo com qualidades em um dado período, tornam-se anacrônicas em outro vindouro.

Na ausência de representatividade efetiva das instituições surgem movimentos espontâneos, ou ao menos mais ou menos espontâneos, pois nunca tarda a chegada oportunista do parasitismo institucional, a reboque, para colher frutos em benefício próprio. As recentes greves espontâneas têm sido um exemplo disso, assim como os movimentos sociais dos últimos tempos.

Quando se pensa e se fala em reforma ou revolução de papéis representativos na esfera institucional, nada mais próximo e concreto do que a figura do sindicato, uma vez que quase a mão de uma coletividade que, ao menos em tese, sobre ele tem controle de constituição  e ação. Afinal, seu estatuto nada mais é do que um contrato firmado entre associados, e que pode ser alterado quantas vezes for necessário ou desejado. É esse mesmo estatuto, porém, que confere aos seus eternos administradores o poder de mando e desmando sobre tudo e sobre todos, com alicerce em preciosismos por eles mesmos caprichosamente alinhavados.

Nessa medida de nada serve uma nova diretoria, pois, mão beijada, herdará todo um ordenamento estatutário que fará dos novos os mesmos velhos mandarins que conseguiram remover. Gostando ou não, querendo ou não, são essas camarilhas - também elas em boa parte dotadas de questionável alcance intelectual, científico e artístico - que institucionalmente representam uma categoria inteira, e com base em letras miúdas de estatutos que elas mesmas construíram e preservam, pois nelas reside a garantia de seu continuísmo. São elas, camarilhas, que se arvoram a pensar e decidir em nosso nome, e a partir de seus horizontes estreitos.

Enquanto isso não se resolve, toda e qualquer discussão que tenha como foco o papel e a atuação dos sindicatos é de extrema importância, assim como o papel dos partidos políticos e dos próprios políticos, lembrando que essas instituições e seus personagens pouco estão voltados às necessidades e desejos dos que têm por destino representar. Como todos sabem ou intuem, representam apenas seus próprios interesses. Não poderão manobrar indefinidamente.

Rogério Centofanti - SINFERP