PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA DO TRABALHO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 2ª REGIÃO
Gabinete do Desembargador Federal do Trabalho
Davi Furtado Meirelles
PROCESSO TRT/SP Nº 0000323-10.2013.5.02.0053
RECURSO ORDINÁRIO EM MEDIDA CAUTELAR
ORIGEM: 53ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO
RECORRENTE: ÉVERSON PAULO DOS SANTOS CRAVEIRO
RECORRIDA: COMPANHIA PAULISTA DE TRENS METROPOLITANOS - CPTM
Medida Cautelar. Reintegração de dirigente sindical.
Cabimento. O fato de haver previsão de competência do juiz do trabalho para julgar pedido de liminar formulado em reclamação trabalhista (CLT, art. 659, inciso X) não significa que apenas por essa via seja possível obter o provimento jurisdicional. Em casos de necessidade de tutela de urgência, a medida cautelar é perfeitamente cabível. Estando provada a existência do sindicato e o exercício de cargo de direção pelo trabalhador, perfeitamente possível, em sede de cognição sumária, a configuração de sua estabilidade e consequente reintegração ao emprego. Recurso Ordinário do reclamante provido.
Inconformado com a sentença de fls. 446/447, que extinguiu o processo sem resolução do mérito, com fundamento no inciso VI do art. 267 do CPC, recorre o reclamante, insistindo no pedido de providência cautelar de reintegração, com pagamento de salários e demais consectários.
Contrarrazões da reclamada.
Autos sem manifestação do Ministério Público do Trabalho.
É o relatório.
VOTO
Conheço do recurso, por preenchidos os pressupostos legais de admissibilidade. O reclamante ingressou com ação cautelar preparatória, requerendo sua reintegração ao serviço em razão de ser estável. Solicitou a concessão de liminar, que foi indeferida, sob o seguinte fundamento:
“Não verifico nos autos os elementos mínimos a indicar a veracidade das alegações do autor para que se possa deferir o pedido de liminar formulado” (fls. 271).
O reclamante interpôs mandado de segurança, insistindo na liminar, sem sucesso.
Após regular contestação, o juízo de primeiro grau houve por bem extinguir a ação cautelar sem resolução do mérito, sob fundamento de que “a ação cautelar possui natureza instrumental e, desta feita, não pode ser utilizada para obtenção de prestação jurisdicional definitiva” (fls. 446), expressando entendimento de que a via apropriada para a postulação em exame seria a reclamação trabalhista “com amparo no art. 659, inciso X da CLT”(idem), razão pela qual seria impossível a obtenção da tutela perseguida pela via cautelar, estando, portanto, ausente o interesse de agir.
Data venia, entendo diferentemente.
O juiz possui poder geral de cautela, que deve ser exercido quando invocado, sempre que presentes os requisitos para a concessão da tutela. Esquivar-se de tal dever constitui negação de prestação jurisdicional. No caso presente, não se sustentam as conclusões de primeiro grau.
Primeiramente, cabe objetar que a concessão da liminar em ação cautelar não descaracteriza a natureza instrumental da tutela. Se o juiz reintegra um empregado e a ação principal vai contra a postulação inaugural, o resultado é que a liminar é cassada, o que reforça a percepção de sua natureza instrumental e precária. Nada do que foi postulado pelo reclamante leva à conclusão de que a tutela fosse ser definitiva.
Assim, falece de razão o indeferimento com base na natureza definitiva e não precária do provimento.
Em segundo lugar, há que se ter presente que todo o processo é instrumental, servindo para materializar a pretensão da parte, razão pela qual a moderna processualística vem, a cada dia, repudiando excessos de formalismo, algo que é particularmente importante na seara trabalhista, especialmente em casos de estabilidade provisória, e particularmente quando envolva dirigente sindical. O fato da lei prescrever um caminho não significa que os outros estejam vedados, principalmente o caminho da medida cautelar por sua crucial importância na salvaguarda da efetividade da prestação jurisdicional. E nem seria o caso de aceitar sem reservas que a lei prescreve o caminho, porquanto o art. 659 da CLT trata de competência, o que desautoriza considerações no sentido de que estipula uma via processual em detrimento de qualquer outra.
A instrumentalidade do processo, invocada pelo juízo de primeiro grau como razão de decidir, autoriza a que não se privilegie um caminho e se exclua os demais, especialmente quando se trate de garantias mínimas para o exercício da liberdade sindical.
Assim, perfeitamente cabível a propositura de uma ação cautelar, cujo mérito deve ser analisado. Dada a natureza instrumental e precária de um provimento cautelar, não é necessária uma análise minuciosa, razão pela qual é incompreensível que se remeta a avaliação para data distante, prolongando uma situação que, à primeira vista, parece ser de violação de direitos de dirigente sindical.
Tendo em vista que os autos estão bem instruídos, com diversos documentos concernentes ao novo sindicato do qual o recorrente é presidente, bem como ao sindicato do qual era anteriormente vice-presidente, e ainda a contestação à medida cautelar, onde a empresa alinha as razões pelas quais não reconhece a representação do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias de Transporte de Passageiros da Zona Sorocabana, ou a estabilidade do recorrente, é possível, em sede de cognição sumária, analisar a questão de fundo, concernente à estabilidade, que deriva diretamente do fato do reclamante ser presidente de um sindicato com base de representação na empresa.
Antes, porém, cabe refutar as razões que se apóiam singelamente na qualidade de delegado sindical do reclamante, pois tal figura de representação não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, sendo insuscetível de gerar estabilidade. Além disso, a Orientação Jurisprudencial nº 369 da SDI-1 do TST já solucionou a questão na jurisprudência, no sentido da negativa do direito à estabilidade. De qualquer forma, caso se configure, em regular instrução processual, sua condição de representante dos trabalhadores na empresa, aplicar-se-ia à espécie o disposto na Convenção nº 135 da OIT (internalizada pelo Decreto nº 131, de 22 de maio de 1991).
Quanto ao registro sindical, não é condição sine qua non para reconhecer a existência, legitimidade e representação de uma entidade sindical. O registro sindical, atualmente, presta-se à garantia da unicidade sindical, mediante controle por parte do Ministério do Trabalho em Emprego. Este, contudo, não possui a atribuição de conferir validade a atos constitutivos de sindicato, podendo apenas acusar eventual sobreposição de representação, mas o conflito, se existir, deve ser solucionado perante o Poder Judiciário. Desnecessário dizer que a legitimidade de um sindicato não depende do reconhecimento por parte da empresa. A Convenção nº 98 da OIT, que faz parte do ordenamento jurídico nacional, internalizada pelo Decreto nº 2.657, de 03 de julho de 1998, veda qualquer ingerência da empresa na organização dos trabalhadores, derivando daí, em linha direta, que não lhe cabe reconhecer ou deixar de reconhecer entidades sindicais de trabalhadores que se organizem em seu âmbito de atuação empresarial.
No que diz respeito à regularidade formal da constituição do novel sindicato, o reclamante juntou registro em cartório (doc. 13, fls. 33), ata da assembléia de fundação (doc. 14, fls. 36), ata de posse da primeira diretoria (doc. 16, fls. 50), estatuto social (doc. 17, fls. 53), comunicado de eleição do reclamante para cargo de presidente (doc. 18, fls. 67), CNPJ (doc. 19, fls. 70), solicitação de registro perante o MTE (doc. 20, fls. 71), documentos relativos à impugnação pelo SINDEEPRES (doc. 25, fls. 86, acórdão do TRT/SP confirmando improcedência do pleito do SINDEEPRES), entre outros, sendo suficientes, para a análise em questão, apenas estes, que comprovam a regular criação de um novo sindicato na base da empresa, sem constatação quer por esta, quer por outro interessado legítimo, à exceção do SINDEEPRES, que representa trabalhadores terceirizados e que perdeu a ação que promoveu contra o Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias de Transporte de Passageiros da Zona Sorocabana.
Como já se pode perceber, vislumbram-se inúmeros elementos, já evidenciados com a distribuição da petição inicial, que superam largamente o “mínimo” que não foi vislumbrado pelo juízo de origem. A contestação da empresa, por seu turno, não oferece argumentos válidos para se contrapor ao pedido. Limita-se a dizer que não reconhece o novo sindicato, enveredando por alegações impertinentes acerca do comportamento do trabalhador na empresa, que não se sustentam para o fim almejado, pois não dispensou o reclamante por justa causa, mas sem motivação, de forma que não podem ser consideradas. Também diz que o reclamante não possui estabilidade por ser delegado sindical, no que está correta, e que não há estabilidade pelo fato de ser o recorrente empregado de sociedade de economia mista.
Este Relator reserva sua opinião de que a dispensa de empregado não estável por sociedade de economia mista deve sim ter motivação, mas, no caso concreto, esse posicionamento não altera o convencimento, pois o recorrente era estável. A estabilidade do recorrente se verifica por sua eleição para o cargo de presidente de um novo sindicato da base territorial correspondente às atividades econômicas da empresa. Com efeito, o reclamante, como vicepresidente do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias da Zona Sorocabana, já seria estável até 31/01/2013, pelo mandato iniciado em 01/02/2007. Sua eleição para presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias da Zona Sorocabana, que se deu em 15 de março de 2010, com mandato de cinco anos, término previsto para 15 de março de 2015, e período de graça até 15 de março de 2016 e comunicada em 22 de março de 2010, garantiu-lhe a estabilidade para o correspondente período, não havendo solução de continuidade entre um período de estabilidade e outro, mas antes sobreposição, de modo que durante algum tempo a garantia era dupla. Tripla, caso se considere que, na qualidade de representante dos trabalhadores perante a empresa, estaria garantido pelo disposto no art. 1º da Convenção nº 135 da OIT, o que se acrescenta como reforço de argumentação, vez que a informação deve ser aferida em regular instrução processual, e não constitui razão de decidir neste momento.
Não se pode deixar de observar que o presente feito teve tramitação muito lenta para uma medida cautelar, pois se observa que a decisão de primeiro grau foi publicada em 02 de maio de 2013, com recurso em 09/05/2013, recebimento em 23/05/2013, publicação de despacho para contrarrazões em 13/06/2013, contrarrazões em 17/06/2013 e distribuição a este Relator apenas em 07 de novembro 2013, o que compromete sobremaneira a eficácia da medida. Assim, determino tramitação com urgência.
Desta forma, merece provimento o recurso para reconhecer a pertinência da medida proposta, e, diante do fato de que se trata de questão urgente, merecedora de cognição de cautela e não exauriente, reconhecer também a estabilidade provisória do recorrente, na qualidade de dirigente sindical, determinando seu imediato retorno ao emprego, em 48 (quarenta e oito) horas da data da publicação do acórdão, com o pagamento de todos os salários, desde o afastamento até o retorno. Reformo.
Pelo exposto, ACORDAM os Magistrados da 14ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região em: DAR PROVIMENTO ao recurso ordinário do reclamante, para afastar a extinção do feito, determinando o retorno do reclamante ao emprego em 48 (quarenta e oito) horas da publicação do acórdão e pena de multa diária de R$ 1.000,00 (um mil reais) até o cumprimento da determinação judicial. Custas no importe de R$ 600,00 (seiscentos reais), calculadas sobre R$ 30.000,00 (trinta mil reais), valor ora rearbitrado à condenação.