quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Os ferroviários da linha de frente e a sociedade do risco

A onda de quebrar e incendiar ônibus chegou aos trens.  Não é prática nova, mas no passado costumava acontecer quando de falhas e acidentes que geravam indignação extrema.  Naqueles casos eram reações espontâneas de pessoas tratadas como coisas e relegadas ao descaso da CPTM, como reflexo da indiferença e desdém de sucessivos governos – embora por duas décadas sob o guarda-chuva de um mesmo partido – com o povo de nossas periferias.  Não há como negar isso. Tratamentos diferenciados com diferentes camadas sociais.

Naqueles casos gritaram vozes conservadoras contra os atos da horda de vândalos, em nome da defesa do patrimônio público, imediatamente seguidas por atos de força que arrepiaram a todos com cassetetes e outras ferramentas de manutenção da “ordem social”.

Ninguém correu e nem corre contra os atos de vandalismo que CPTM, governo e forças repressivas cometem todos os dias contra aqueles que perdem empregos, aulas, provas, consultas médicas e outros compromissos de vida, motivados pelas falhas e acidentes que independem deles.

Não foi diferente com os ferroviários. Foram “rifados” pela mesma CPTM e pelo mesmo governo, e jogados aos leões nas inúmeras falhas e acidentes, quando causas não puderam ser atribuídas aos atos de vandalismo dos usuários. Os que morreram nos trilhos foram imediatamente responsabilizados pelas próprias mortes. Para acobertar verdadeiras razões, outros tantos ferroviários foram demitidos, não raro por justa causa, e depois ainda processados para ressarcir a CPTM por danos ao patrimônio, a eles atribuídos, com base em sindicâncias realizadas pela própria CPTM. Nunca “sobrou” para os terceirizados amigos da atual direção da empresa, para algum supervisor, gerente e menos ainda diretor.

Insisto em afirmar, embora poucas vezes compreendido, que enquanto nossos usuários forem tratados como passageiros de segunda classe, nós, ferroviários, seremos tratados como funcionários de segunda classe. Funcionários em meu dizer, pois no da CPTM empregados. De qualquer forma, de segunda classe. É com base nessa convicção que o SINFERP luta contra os desmandos da atual direção da CPTM e governo, exercendo pressão junto à opinião pública para que a empresa seja um modelo de qualidade e segurança em transporte de pessoas sobre trilhos. No campo das ações, é igualmente com base nessa convicção que investimos na ideia do SINFERP Cidadão, conversando com outros sindicatos de trabalhadores de Osasco e Região para que, juntos, criemos uma Associação de Usuários de Trens de Passageiros. Dou a isso o nome de uma verdadeira mostra de solidariedade de classe (a trabalhadora), lembrando que não transportamos “elites”, mas trabalhadores como nós, ferroviários.

Para aumentar a segurança do patrimônio, a CPTM instalou câmeras por todos os lados, e até mesmo dentro dos trens. Em nada, porém, tal medida trouxe melhorias à condição de segurança dos usuários e dos ferroviários. No caso dos ferroviários a situação mudou para pior, uma vez que o monitoramento tem apenas a eles como alvo do imenso Big Brother em que se tornou a empresa. No restante, continuam os roubos, os assaltos e as violências todas às quais os usuários estão expostos cotidianamente. Não há como negar isso.

Nos últimos meses, entretanto, surgiu uma nova forma de violência urbana, pela ação quase sempre grupal de anonymous, utilizando uma tática denominada black bloc, ideologicamente, dizem, associada ao anarquismo. Suas ações costumam fazer uso oportuno de concentrações públicas, promovidas por movimentos reivindicativos. Foi por conta dessas ações parasitárias que o SINFERP retirou-se das manifestações do Passe Livre, a partir do momento em que redundaram em depredação de estações do Metrô e em agressão a trabalhadores metroviários.  Não iria o SINFERP atrair para estações ferroviárias e para trabalhadores ferroviários esse risco, embora reconhecendo a legitimidade das reivindicações do Movimento Passe Livre.

Essa tática de violência como forma de manifestação urbana, porém, como toda “onda” saiu do centro e migrou para periferia. Com ou sem ideologia, com ou sem organização, chegou à periferia pela forma de ação. Quebrar, incendiar, pichar, enfrentar, etc. Os ônibus têm sido o alvo principal, pois afetam o transporte, da mesma forma que o bloqueio de ruas, avenidas e estradas.  Afetar o transporte, isto é, o trânsito de pessoas – e ainda mais em uma cidade como São Paulo -, é a certeza de garantir atenção da imprensa e dos governos. Depredação e incêndio de ônibus é meio, e não fim.

Não quero manifestar juízo de valor sobre isso.

O problema é que essa tática chegou aos trens da CPTM e, nessa medida, precisa ser discutida. Maquinistas estão perdidos e inseguros. Correm risco? Sim, bem como seus passageiros. A depredação e incêndio de um trem podem ter consequências desastrosas.

CPTM e governo, como sempre, aproveitam o risco e se fazem de vítimas. Não são, e convido maquinistas para que não entrem nesse discurso, lembrando que CPTM e governo, na ausência de qualquer outro para transferir “culpa” por suas próprias falhas, fazem deles, maquinistas, os principais bodes expiatórios.

Diferente dos ônibus, que trafegam em vias públicas, e cuja responsabilidade por sua segurança está sob a esfera dos órgãos de segurança pública, os trens trafegam em vias segregadas, e a responsabilidade por sua segurança é de seus próprios órgãos de segurança. Nessa medida, a segurança de ferroviários e de passageiros, nas estações, nos trens parados ou em movimento, é de responsabilidade objetiva da CPTM.

O fato é que o mundo está mudando, mas nada muda na mentalidade daqueles que hoje respondem (ou deveriam responder) pela direção da CPTM. Vivemos numa sociedade do risco, e a mentalidade da direção da CPTM continua centrada na prática inócua de instalar câmeras, com mera finalidade de vigiar ferroviários e pessoas que estejam filmando ou fotografando a empresa. Em resumo: toda essa tecnologia apenas para preservar a imagem [sic] da empresa e criar um clima de terror na categoria.

Com a proximidade das negociações entre sindicatos e empresa, está dada a oportunidade de ferroviários que trabalham na linha de frente – maquinistas, pessoal de estação e mesmo da segurança - exigirem da CPTM planos e medidas efetivas de verdadeira segurança para eles próprios, para o patrimônio material da empresa, e para o patrimônio maior da CPTM e dos ferroviários: nossos passageiros.

Afinal, se os passageiros não têm quem fale por eles, os ferroviários têm seus sindicatos. Eis a oportunidade.


Éverson Paulo dos Santos Craveiro – Presidente do SINFERP