O termo “política” foi e continua sendo usado e abusado nas
negociações dos metroviários e dos ferroviários, mas quase sempre de maneira
indevida.
Na greve dos metroviários, que não teve ao menos por enquanto
os resultados esperados pelos dirigentes sindicais, conside-rando os esforços
dispendidos, o termo política foi adotado por analistas de imprensa e do
governo do Estado de São Paulo para desqualificar o movimento.
- A greve é política, disseram.
Ora, a greve é uma ferramenta da negociação, e toda
negociação é política, ao menos pelo entendimento que consiste em concebê-la como a um conjunto de “meios adequados à obtenção
de qualquer vantagem”, conforme definido
por Thomas Hobbes. Se o meio
escolhido é o da diplomacia ou o do confronto, trata-se de outra discussão. A
greve, meio do confronto, é uma ferramenta da negociação, assim como a
discussão em torno de uma mesa, e que correspondente ao meio diplomático.
Dizer, portanto, que greve é política, é o mesmo que não dizer nada além do
evidente, pois apenas ferramenta possível de um processo tipicamente político
que é a negociação.
- Ah, poderá alguém dizer, mas esta greve tinha ingrediente
partidário.
Parece que sim. Nesse caso, porém, não cabe apenas dizer que
política, uma vez que carece de adjetivo – partidária. Do outro lado, o governo
quer nos fazer crer que conduz a negociação na qualidade de representante dos
interesses públicos, adotando, nela, o conceito de Hobbes que citamos a título
de balizamento para esta discussão. Em parte sim, mas governo é composto por
elementos partidários e, nessa medida, nada faz que não tenha interesse
partidário. Quando, em uma negociação, saber se os agentes públicos estão sendo
políticos ou políticos partidários, lembrando que são as duas coisas?
O Metrô, enquanto empresa, é gerido por administradores
sustentados por interesses partidários, assim como a CPTM.
Como, nesse cenário, pretender questionar interesses
partidários na greve dos metroviários, se Metrô e Governo são, em boa medida,
partidários em suas ações diretas e indiretas? Assim, se houve partidarização
na negociação dos metroviários, houve dos dois lados, e ambos tirarão proveito
desse movimento, e dos desdobramentos dele, na campanha eleitoral (partidária)
que se aproxima.
Fato é que, se a greve teve motivação partidária, as
retaliações do Metrô e do governo tiveram intenção igualmente partidária, na
medida em que dispensaram por justa causa (uma decisão política e não meramente
administrativa) os ativistas do sindicato, presumivelmente, portanto, ativistas
partidários. “Grupelhos”, na linguagem do governo.
Pior do que isso foi e continua sendo a negociação dos
ferroviários, onde os sindicatos usaram o termo política, em impressos e
discursos, como forma de desqualificar os descontentes com suas atuações.
O Sindicato de São Paulo chegou a escrever que grupos com
“interesses escusos e objetivos políticos”
criaram “tumulto para desestabilizar a ordem”. Sindicatos da Sorocabana e
Central falaram, em boletim conjunto, que a “desordem orquestrada nas redes
sociais tem cunho político e pessoal”. Todos, portanto, adotaram
uma mesma política, isto é, “meios adequados à obtenção de qualquer vantagem”,
ainda de acordo com o mesmo Hobbes, usando o termo como se política fosse uma
prática dos “outros”.
- Qual vantagem? - poderá alguém perguntar.
No mínimo a vantagem de afastar opiniões e posições
contrárias, uma vez que se arvoraram na decisão política de controle da ordem,
seja lá o que entendam por isso, mas, certamente, expressão de uma política
nitidamente autoritária. O que houve, portanto, foi um embate político, durante
o processo negocial, e no plano interno da categoria, entre os que se apoderam
da forma e destino da decisão política de negociar com a CPTM, visivelmente
orientada para com ela estabelecer uma relação diplomática, e os que não se
contentaram com essa orientação, mesmo porque não puderam participar de tal
decisão.
Se, de um lado os três sindicatos optaram por manter com a
empresa uma relação diplomática, com as dissidências internas optaram por
estabelecer uma relação de confronto. A política diplomática adotada por eles
todos, em conjunto com a CPTM, criou as condições “fechadas” para o que
chamaram de “ordem”. Eles, portanto, decidiram entre si o que o que seria a
“ordem”. Fora dela, posto que não consultados para essa decisão política dos
sindicatos, ficaram aqueles acusados de promover “tumulto para desestabilizar a
ordem” (desenhada por eles), com interesses “escusos” (diferente dos deles), e
com “objetivos políticos” (contrários aos objetivos comuns aos deles).
Não se pode dizer, no caso dos ferroviários, que houve
participação partidária do lado dos trabalhadores, embora inevitável da parte
da CPTM e do governo do Estado de São Paulo. Afinal este ano foi, na
administração do Sr. Bandeira e do governador em exercício, o primeiro, no
período de quatro, que não ocorreu greve, poupando à eles um desgaste político partidário
em ano de Copa e Eleitoral, duas atividades nitidamente políticas, e com
dividendos partidários.
Como se pretendeu demonstrar, o termo “política” não faz, em
si, nenhum sentido para qualificar ou desqualificar quem quer que seja. Não se
pode, porém, desconsiderar os resultados de todas as políticas envolvidas no
processo negocial, e isso o tempo irá apontar. Logo mais e saberemos avaliar
quem ganhou e quem perdeu com os embates e com a diplomacia, nos planos
internos e externos.