Todo profissional é um
trabalhador, mas nem todo trabalhador é um profissional. Profissional é aquele que tem dimensão maior
da finalidade de sua atividade. Policial
é profissional de Segurança. Médico é profissional de Saúde. Professor é
profissional de Educação.
Nós, ferroviários, somos
profissionais de Transporte. Enquanto trabalhadores em uma empresa que
transporta pessoas, somos profissionais de Transporte de Pessoas. Como essa
empresa transporta pessoas sobre trilhos, somos profissionais de Transporte de
Pessoas sobre Trilhos.
Comparo ferroviários com
policiais, médicos e professores por termos, em comum, uma finalidade social na
dimensão maior de nossas atividades.
Essa condição altera a
responsabilidade de cada um de nós, assim como da entidade sindical
correspondente, que chama para si não apenas a defesa dos interesses
trabalhistas de seus representados, mas também a da condição profissional dessas
pessoas, pois circunscritas no plano de uma responsabilidade social.
Ora, basta olhar no entorno para
notar que não se discute e muito menos se decide no campo da Segurança sem a
presença de policiais, isto é, de profissionais de Segurança. Quem pode
imaginar o delineamento de políticas de Saúde sem médicos, ou de Educação sem
professores?
Não é isso, porém, o que se
observa no palco das discussões e deliberações quando os assuntos são
transporte coletivo, transporte público, mobilidade, trânsito,
congestionamento, e correlatos. Menos
ainda quando em pauta o transporte coletivo de pessoas sobre trilhos.
Nesse debate surgem
“especialistas” de todos os tamanhos, cores e cheiros, mas que nem imaginam o
que seja um trem, e menos ainda o que seja o drama da vida dos usuários, aos
quais se referem como se fossem apenas números.
Por que ficamos a margem dessas
discussões, e principalmente dessas decisões? Não temos nada a dizer sobre isso
tudo? Ou será pelo fato de não nos interessarmos por isso? Talvez pelo fato de
não reconhecer a nós mesmos como profissionais de Transporte de Pessoas sobre
Trilhos, mas apenas como ferroviários. Alguns nem mesmo como ferroviários.
É nossa quase ausência no palco
dessas discussões que permite à CPTM e ao governo do Estado de São Paulo nos tratar
como “coisa”, a ser lembrada uma vez por ano, quando da “obrigatoriedade” de
contato pela ocasião da data-base. Neste ano, a coisificação chegou ao ponto de
empresa e governo decidirem o que é “melhor” aos profissionais de transporte de
pessoas sobre trilhos, e fazer com que essa decisão, deles, fosse empurrada
pela garganta de todos nós pelas mãos de dois sindicatos dóceis, sendo que um
deles nem mesmo se reconhece enquanto ferroviário.
Quantas vezes a direção da CPTM,
ou a Secretaria dos Transportes Metropolitanos, reuniu a nós, os profissionais
de transporte de pessoas sobre trilhos, para compartilhar projetos da empresa
ou do governo para o transporte de pessoas sobre trilhos? Quantas vezes
demonstrou interesse em conhecer nossas opiniões ou ouvir nossas sugestões
sobre o transporte de pessoas sobre trilhos? Quantas vezes fizeram algo
assemelhado com os usuários?
Enquanto alienam a nós e aos
usuários, atuam em comunhão de unha e carne com empreiteiras, consultorias e
outras forças “terceiras”, que desfiguram nossa profissão, mas não a nossa
responsabilidade, pois somos nós que eles oferecem aos leões quando de
sucessivas falhas e acidentes. Os
“terceiros” são parceiros no bônus, no lucro, e nós parceiros no ônus, no
prejuízo.
Sabemos todos que a atual gestão
da CPTM reduziu a empresa a mero balcão de negócios. A chamada modernização
ocorre apenas por mecanismos de compra de modernizações, mas em nenhum momento
pelo seu desenvolvimento. Em plena Era
do Conhecimento a empresa não tem excelência em gestão do conhecimento. Em
plena Era da Participação a empresa é muda e surda para com as duas pontas mais
importantes do seu negócio – seus usuários (clientes) e seus profissionais
(colaboradores). Em plena Era da Democracia e desaloja um sindicato de sua sede
social, o responsável pelas Relações Sindicais formula uma queixa crime contra
um dirigente sindical, persegue, pune e finalmente demite os representantes de
seus profissionais. Não demonstra zelo por qualidade e segurança em seus
serviços. Amarga três greves em três anos sucessivos de gestão. Em resumo, a
atual direção anda na contramão de todas as tendências do mundo político e organizacional,
motivo de não gozar de credibilidade e respeito de usuários e de seu quadro de
profissionais.
É um reflexo do PSDB, verdade,
responsável direto pelo desmonte da ex-Malha Ferroviária Paulista, e mentor das
políticas de parcerias, mas com a iniciativa privada bancada (PPPs) com
dinheiro público. Não forma nenhuma parceria com usuários e com seus próprios
profissionais. Mesmo sendo apenas espelho da política do governo, porém,
poderia a direção da CPTM demonstrar um pouco mais de competência gerencial, no
mínimo no quesito gestão de pessoas (e não mera gestão de números).
Enquanto não houver maior
dignificação nos serviços que a CPTM presta aos usuários, também não haverá
dignificação a nós, profissionais de transporte de pessoas sobre trilhos. Cabe
a nós, portanto, continuar a luta pela dignificação profissional da categoria,
e iniciar a luta pela dignificação dos usuários, nossos verdadeiros e legítimos
“patrões”.
Ninguém fará isso por nós, senão
nós mesmos. Ingenuidade esperar da atual diretoria da CPTM, do atual governo do
Estado de São Paulo, de partidos políticos, ou dessa moçada que está ocupando
as praças públicas - e que luta por questões maiores (melhoria nas condições do
transporte público) -, que por força de ofício deveria ter a nós na condição de
carro-chefe, e não de reboque.
Éverson Paulo dos Santos Craveiro
– Presidente do SINFERP