segunda-feira, 24 de junho de 2013

A valorização dos ferroviários pela valorização do transporte de pessoas sobre trilhos

Todo profissional é um trabalhador, mas nem todo trabalhador é um profissional.  Profissional é aquele que tem dimensão maior da finalidade de sua atividade.  Policial é profissional de Segurança. Médico é profissional de Saúde. Professor é profissional de Educação.

Nós, ferroviários, somos profissionais de Transporte. Enquanto trabalhadores em uma empresa que transporta pessoas, somos profissionais de Transporte de Pessoas. Como essa empresa transporta pessoas sobre trilhos, somos profissionais de Transporte de Pessoas sobre Trilhos.

Comparo ferroviários com policiais, médicos e professores por termos, em comum, uma finalidade social na dimensão maior de nossas atividades.

Essa condição altera a responsabilidade de cada um de nós, assim como da entidade sindical correspondente, que chama para si não apenas a defesa dos interesses trabalhistas de seus representados, mas também a da condição profissional dessas pessoas, pois circunscritas no plano de uma responsabilidade social.

Ora, basta olhar no entorno para notar que não se discute e muito menos se decide no campo da Segurança sem a presença de policiais, isto é, de profissionais de Segurança. Quem pode imaginar o delineamento de políticas de Saúde sem médicos, ou de Educação sem professores?

Não é isso, porém, o que se observa no palco das discussões e deliberações quando os assuntos são transporte coletivo, transporte público, mobilidade, trânsito, congestionamento, e correlatos.  Menos ainda quando em pauta o transporte coletivo de pessoas sobre trilhos.

Nesse debate surgem “especialistas” de todos os tamanhos, cores e cheiros, mas que nem imaginam o que seja um trem, e menos ainda o que seja o drama da vida dos usuários, aos quais se referem como se fossem apenas números.

Por que ficamos a margem dessas discussões, e principalmente dessas decisões? Não temos nada a dizer sobre isso tudo? Ou será pelo fato de não nos interessarmos por isso? Talvez pelo fato de não reconhecer a nós mesmos como profissionais de Transporte de Pessoas sobre Trilhos, mas apenas como ferroviários. Alguns nem mesmo como ferroviários.

É nossa quase ausência no palco dessas discussões que permite à CPTM e ao governo do Estado de São Paulo nos tratar como “coisa”, a ser lembrada uma vez por ano, quando da “obrigatoriedade” de contato pela ocasião da data-base. Neste ano, a coisificação chegou ao ponto de empresa e governo decidirem o que é “melhor” aos profissionais de transporte de pessoas sobre trilhos, e fazer com que essa decisão, deles, fosse empurrada pela garganta de todos nós pelas mãos de dois sindicatos dóceis, sendo que um deles nem mesmo se reconhece enquanto ferroviário.

Quantas vezes a direção da CPTM, ou a Secretaria dos Transportes Metropolitanos, reuniu a nós, os profissionais de transporte de pessoas sobre trilhos, para compartilhar projetos da empresa ou do governo para o transporte de pessoas sobre trilhos? Quantas vezes demonstrou interesse em conhecer nossas opiniões ou ouvir nossas sugestões sobre o transporte de pessoas sobre trilhos? Quantas vezes fizeram algo assemelhado com os usuários?

Enquanto alienam a nós e aos usuários, atuam em comunhão de unha e carne com empreiteiras, consultorias e outras forças “terceiras”, que desfiguram nossa profissão, mas não a nossa responsabilidade, pois somos nós que eles oferecem aos leões quando de sucessivas falhas e acidentes.  Os “terceiros” são parceiros no bônus, no lucro, e nós parceiros no ônus, no prejuízo.  

Sabemos todos que a atual gestão da CPTM reduziu a empresa a mero balcão de negócios. A chamada modernização ocorre apenas por mecanismos de compra de modernizações, mas em nenhum momento pelo seu desenvolvimento.  Em plena Era do Conhecimento a empresa não tem excelência em gestão do conhecimento. Em plena Era da Participação a empresa é muda e surda para com as duas pontas mais importantes do seu negócio – seus usuários (clientes) e seus profissionais (colaboradores). Em plena Era da Democracia e desaloja um sindicato de sua sede social, o responsável pelas Relações Sindicais formula uma queixa crime contra um dirigente sindical, persegue, pune e finalmente demite os representantes de seus profissionais. Não demonstra zelo por qualidade e segurança em seus serviços. Amarga três greves em três anos sucessivos de gestão. Em resumo, a atual direção anda na contramão de todas as tendências do mundo político e organizacional, motivo de não gozar de credibilidade e respeito de usuários e de seu quadro de profissionais.

É um reflexo do PSDB, verdade, responsável direto pelo desmonte da ex-Malha Ferroviária Paulista, e mentor das políticas de parcerias, mas com a iniciativa privada bancada (PPPs) com dinheiro público. Não forma nenhuma parceria com usuários e com seus próprios profissionais. Mesmo sendo apenas espelho da política do governo, porém, poderia a direção da CPTM demonstrar um pouco mais de competência gerencial, no mínimo no quesito gestão de pessoas (e não mera gestão de números).

Enquanto não houver maior dignificação nos serviços que a CPTM presta aos usuários, também não haverá dignificação a nós, profissionais de transporte de pessoas sobre trilhos. Cabe a nós, portanto, continuar a luta pela dignificação profissional da categoria, e iniciar a luta pela dignificação dos usuários, nossos verdadeiros e legítimos “patrões”.

Ninguém fará isso por nós, senão nós mesmos. Ingenuidade esperar da atual diretoria da CPTM, do atual governo do Estado de São Paulo, de partidos políticos, ou dessa moçada que está ocupando as praças públicas - e que luta por questões maiores (melhoria nas condições do transporte público) -, que por força de ofício deveria ter a nós na condição de carro-chefe, e não de reboque.

Éverson Paulo dos Santos Craveiro – Presidente do SINFERP