Cidadania rima com democracia. Se
nem se sabe o nome do político em que se votou nas últimas eleições, e muito menos
o que andou fazendo (ou desfazendo), como participar das decisões nacionais? Assim,
nossa democracia permanece meramente representativa.
Dá-se um bom emprego a um político.
Sem se dar conta de que são reflexos diretos da política o preço do pão, a
mensalidade da escola, a qualidade de vida.
Ser cidadão é entrar em um nó de
relações. É simples: ao pedir nota fiscal, evita-se a sonegação e aumenta-se a arrecadação
pública que, em tese, permite ao governo investirem rodovias, hospitais, escolas,
segurança, etc.
Quando se recursa a propina ao guarda, moraliza-se o aparato
policial.
Cidadania supõe consciência de
responsabilidade cívica.
Nada mais anticidadania do que
essa lógica de não vale a pena chover no molhado. Vale.
Experimente recorrer à defesa do consumidor,
escrever para jornais e autoridades. Querem os políticos corruptos que passemos
a eles cheque em branco para continuar a tratar a coisa pública como negócio
privado.
E fazemos isso ao torcer o nariz
para a política, com aquela cara de nojo.
Cadê a consciência?
Cidadania rima com solidariedade.
Cada um na sua e Deus por ninguém é o que propõe a filosofia neoliberal. Sem consciência
de que somos todos resultados da loteria biológica.
Nenhum de nós escolheu a família
e a classe social em que nasceu. Injusto é, de cada 10 brasileiros, 6 nascer
entre a miséria e a pobreza (e nascem por ano, no Brasil, cerca de 3 milhões de
pessoas). Ter sido sorteado implica uma dívida social.
Solidariedade se pratica com
participação nos movimentos sociais, sindicatos, partidos, ongs, administrações
públicas voltadas aos interesses da maioria.
Se prefere deixar “tudo como está
para ver como fica”, não se assuste quando lhe enfiarem um revólver na cara ou exigirem
que trabalhe mais por menos salário. Afinal você merece, como todos que não
percebem que cidadania e democracia são sempre uma conquista coletiva que
depende do corajoso empenho de cada um de nós.
Muitos se queixam de que o mundo
vai mal, o governo é incompetente, os políticos oportunistas. Mas o que faço
para melhorar as coisas?
Havia em São Paulo um travesti,
Brenda Lee, que batizei de Cleópatra em meu romance Alucinado Som de Tuba
(Ática).
Antes de morrer assassinado,
ocupou-se de cuidar de seus companheiros contaminados pela AIDS. Não esperou
que o poder público o fizesse. Transformou a pensão em que morava em um
hospital de campanha.
Foi a primeira pessoa física a obter, na Justiça, verba
pública para uma iniciativa individual.
O dilema é educar para a cidadania
ou deixar-se “educar” pelo neoliberalismo, que rima com egoísmo.
Fonte: Frei Betto, é escritor (texto extraído da Revista Caros Amigos de Maio
de 2008).