Paulo Roberto Filomeno
Falta gestão para as ferrovias que estão sendo construídas. Para as que ainda irão ser, falta planejamento. Isso significa falta de estudos sérios e de um projeto que contemple todas as variáveis. Para isso, especialistas e técnicos devem tomar conta do empreendimento, ao invés de políticos (já sabem o que eu penso sobre projetos baseados em critérios políticos...).
Desta vez a prova de incompetência ferroviária atende pelo nome de TAV, popularmente conhecido por Trem Bala. Mais uma vez a licitação foi adiada por falta de interessados. Até havia interessados, mas para um deles ficaria feio apresentar proposta, pois um acidente recente pôs em dúvida sua tecnologia. O outro apareceria sozinho, numa má hora, já que seu nome está na mídia. Uns nem apareceriam mesmo, por diversos motivos, outros se prepararam para apresentar proposta nas primeiras licitações e depois de novo(s) adiamento(s) ficaram sem verba para continua-las escrevendo.
Nas matrizes dessas companhias a brincadeira já chegou a um ponto sem volta. Já consideram que a coisa virou palhaçada e a seriedade que o governo tenta passar em relação ao TAV já não convence mais ninguém.
Talvez por isso que o presidente da EPL agora começa a considerar a implantação de trens regionais ao invés do TAV. Ele mesmo, que dizia que trem que anda a menos de 200 km/h era tecnologia do século 19. E ao contrário do que vaticinamos no artigo anterior, continua no mesmo lugar. Talvez sua chefe esteja esperando uma oportunidade de fazê-lo “cair pra cima” como fez com o chanceler Patriota.
No site “São Paulo TREM Jeito”, pode se encontrar uma resenha de todos os artigos sobre o TAV que foram publicados na imprensa desde 2010. É engraçado (mas na realidade é trágico) ver todos os artigos e depoimentos de vários órgãos do governo dando prazos, estabelecendo diretrizes e objetivos para o TAV, entre outras coisas relacionadas. Hoje vemos que nada daquilo se concretizou. E nem vai se concretizar. Menos mal. Vejamos por que:
Não faltaram defensores, entusiastas e interessados manifestando seu júbilo pelo fato de que o Brasil entraria na área do transporte ferroviário de alta velocidade, mas que não levaram em conta outros aspectos importantes. Já chegaram a escrever, em seu favor, que este trem, por ser elétrico, é ecologicamente correto, e não será fonte de poluição, esquecendo-se que a enorme quantidade de energia elétrica para movimentar este trem, se não vier de fontes termelétricas (que poluem, pois queimam carvão), já que a demanda por energia elétrica no Brasil cresce exponencialmente, virá de usinas hidrelétricas, que também produzem seu impacto ambiental.
Querem partir para um TAV, mas no Brasil nos esquecemos da importância do transporte ferroviário de passageiros de longa distância, e assim desapareceu também a cultura do transporte ferroviário de passageiros, cuja operação requer um elevado nível de segurança, seja na qualidade da via, na conservação do material, na sinalização, na proteção do leito ferroviário contra invasões, etc.
A falta de planejamento é tamanha que não vi em um lugar sequer, nem nos editais, informações sobre o custo total da obra, a tarifa a ser aplicada, a quantidade de trens a percorrer a linha por dia.
E há algumas perguntas ainda sem respostas:
• Entre Volta Redonda e a Baixada Fluminense temos um desnível de 400 metros (a famosa Serra das Araras, para quem conhece a Via Dutra). Como o trem atravessará esse trecho, tendo uma estação em Volta Redonda? Trens de alta velocidade têm especificações bem definidas em relação a raios de curva e inclinação da via.
• Onde será a estação paulistana do TAV? Estaria prevista para ser no Campo de Marte, na zona Norte. É um local próximo à rodoviária do Tietê (mas não ligada à estação Portuguesa-Tietê do Metrô, apesar de relativamente próxima). Mas distante dos locais onde fica o público-alvo do trem, que na grande maioria se concentra nos eixos Paulista, Faria Lima, Berrini e Santo Amaro. O aeroporto de Congonhas é bem mais próximo.
• Como será a travessia da cidade de São Paulo? Via elevada ou túnel ou percorreria um tampão sobre o Rio Tietê? Em superfície é que não pode ser. Esse trecho começaria em Perus e terminaria depois de Itaquaquecetuba.
A apregoada viabilidade financeira desse trem baseou-se numa modelagem (ou um sofisma...) onde simplesmente supôs-se que a demanda de passageiros simplesmente migraria de todos os modais atualmente existentes (ônibus, avião e carro próprio). Porém, critérios técnicos asseguram que isso não ocorrerá. Mas mesmo que isso pudesse acontecer alguém se “esqueceu” do impacto que isso teria nas concessionárias das estradas que ligam SP a RJ, bem como nas empresas de ônibus e nos impostos que não deixariam de ser recolhidos para os três níveis de governo, bem como toda a infraestrutura montada à beira das rodovias. Essas perdas poderiam ser contestadas inclusive na justiça.
A verdade é que muitos outros fatores teriam que ser levados em consideração para se afirmar cabalmente que um empreendimento desse porte seria viável, sem paixões e interesses, sejam quais forem. Mas ainda isso não foi feito e por isso muitos setores da sociedade não ficaram convencidos da real utilidade desse trem, dado seu alto custo previsto, e ainda não sabemos o grau de precisão do “previsto”. Muitos que têm algum tipo de interesse ainda o defendem com unhas e dentes, porém a conta final sairá por demais cara.
Por isso, sou de opinião que, se Campinas, São Paulo, Rio e cidades intermediárias forem ligados por transporte ferroviário de passageiros, que seja por um trem convencional, com velocidades por volta de 160 km/h. Um dia o conhecimento na operação desse trem nos credenciará a termos um TAV em nosso país.
Paulo Roberto Filomeno