segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Brigas nas estações? Ora, é "cultura"


A afirmação de uma delegada de polícia - segundo um conhecido veículo de comunicação paulista -, que agressões físicas entre passageiros nas estações do Metrô e da CPTM são devidas a problema de “cultura”, ainda que considerada também a superlotação, nos põe a pensar. 

Existem palavras que parecem dizer muita coisa, quando isoladamente não dizem absolutamente nada: cultura, sistema e processo são três bons exemplos. São panaceias empregadas para explicar o que não sabem ou não querem explicar.

Que traços culturais são esses, que se mostram nos horários de pico? Certamente não são eles os responsáveis pelos horários de pico. São, provavelmente, manifestações decorrentes das ansiedades geradas pelos horários de pico.

Passageiros partirem para as “vias de fato” demonstra, apenas, que alguns se exaltam mais do que outros, o que não quer dizer que os demais estejam satisfeitos com a situação, e tampouco tranquilos.

Bem, talvez queiram agora desenhar para o paulistano um novo traço cultural – a tolerância extrema.

Quando quebram o pau contra o Estado são vândalos. Quando quebram o pau entre eles, por falta de atendimento adequado do Estado, o fazem por questão de “cultura”.

O paulistano é “educado” até demais. Quem vem de fora não entende como pode ele, o paulistano, suportar calmamente os congestionamentos. Espera. Nem mesmo buzina. A imensa maioria respeita as sinalizações e as faixas de pedestres. Suporta as filas nos bancos, nos supermercados, nas repartições e até mesmo nos restaurantes. Este, porém, é o termo adequado: suporta. Já é, portanto, caracterizado pela “cultura da tolerância”.

Paulistano é educado, costuma atender bem e ser respeitoso. Pode não ser simpático, por isso entendendo não ser “prosa fácil”. Tem vida corrida, trabalha, estuda e está sempre em atividade, mas não é grosseiro.
Pelo fato de mover-se pela cultura da individualidade, tende a respeitar as individualidades. Zela pelo seu espaço, mas tende a respeitar o espaço do outro.

O problema é outro. A margem dessa balela doutrinária das “escolhas”, o fato é que a imensa maioria reside onde pode, trabalha onde pode e estuda onde pode. A vida da imensa maioria das pessoas, portanto, é regida pelo que pode, e não pelo que quer.

Os horários das empresas, dos comércios e das escolas são, entretanto, grosso modo os mesmos, de onde a movimentação de milhões de pessoas nos mesmos horários. Residências, empregos e escolas não estão necessariamente próximas umas das outras. Aliás, para grande número de pessoas, estão quase sempre distantes umas das outras.

Elas não sofrem por falta de inteligência ou por meras “escolhas”, mas pelas circunstâncias que a vida em uma metrópole lhes impõe, inclusive para que possam contribuir com a “cultura” (valor) maior da cidade – o trabalho, a educação e o desenvolvimento.

Fizesse o Estado sua parte, “facilitando” a vida dessas pessoas por meio de fartos, confortáveis e seguros transportes públicos, e os paulistanos fariam a deles, como sempre fizeram.

É muito cinismo o Estado atribuir a comportamentos indesejados de paulistanos a “culpa” pelos comportamentos indesejados do próprio Estado.

O problema é que Metrô, CPTM e a própria Delegacia do Metropolitano servem a um mesmo governo. Nessa medida, ficamos a mercê de uma tríade que blinda o “patrão”, e não temos de quem e nem para quem reclamar.

Ao contrário, temos que suportar a reclamação deles contra nós, os passageiros, vulgarmente chamados de contribuintes e usuários.

Enquanto não for criada uma agência reguladora autônoma, independente, e composta por representantes de usuários e de trabalhadores de transportes públicos, essa situação vai continuar.

Por Rogério Centofanti