A ocasião faz o ladrão ou o ladrão faz a ocasião?
A denúncia de corrupção em contratos da CPTM, apresentada pela Siemens, culminou com matéria da IstoÉ de 20 de julho, a mais bombástica delas todas, ao menos até o momento. Não surpreende.
Que a CPTM é mero balcão de negócios não exige muito esforço para constatar. Basta notar a sua vocação para compra de bens e serviços, infinitamente maior do que para a produção de bens e serviços.
Que a sua competência para compras não atende a critérios de racionalidade lógica e técnica também é evidente. Afinal, como pode uma empresa “especializada” em seu ramo comprar primeiro trens novos, para depois substituir trilhos, para depois comprar subestações necessárias para fornecer energia necessária aos trens novos, para depois comprar rede aérea, e para depois comprar sistemas de sinalização?
Seria o mesmo que alguém comprar um automóvel, para depois construir a estrada, para depois providenciar locais de abastecimento, e para depois se preocupar com sinalização.
A todo esse pacote desconexo de aquisição de bens e obras a empresa dá o nome de modernização, e custa uma imensa fortuna aos cofres públicos. Tais bens e respectivas obras são, na maioria, produto de contratos com terceiros. Desses contratos não escapa nem mesmo a manutenção dos trens, o que é minimamente extravagante, lembrando que a CPTM tem seu próprio corpo de técnicos, e que os serviços dos terceiros são executados dentro das oficinas da própria empresa.
Enquanto a empresa é movida por seus negócios com fornecedores de todos os tamanhos, cores e cheiros, ferroviários e usuários são secundários ou mesmo terciários nas preocupações da CPTM. Qualquer ferroviário ou usuário sabe disso, nota isso, sente isso. Descuido com qualidade e segurança, como costumam dizer, é recorrente.
A matéria da IstoÉ fala de relação promíscua entre gestores da CPTM e de governo com fornecedores. Não é de duvidar. A saber, agora, como o assunto será conduzido. Pela tradição de conduta da CPTM, possivelmente entregando aos leões o ferroviário que estiver mais a mão. É o que os atuais gestores da empresa sempre fazem quando das incontáveis falhas e acidentes. Por que não quando de condutas indevidas em seus negócios? Não apontarão o dedo nem mesmo para algum desconhecido funcionário dos inúmeros parceiros terceirizados. Cortam apenas na própria carne, desde que na do chão operacional.
Pela tradição do governo tucano, entrará em cena a operação-abafa. Afinal, com vinte anos na administração do Estado de São Paulo, teve tempo de sobra para escolher a dedo as pessoas que administram a CPTM, a Segurança Pública, o Ministério Público, as dos grandes veículos de comunicação, e inclusive tempo suficiente para criar mecanismos capazes de docilizar as denominadas oposições. Dirá o governo que a banda podre dessas operações está toda no lado das empresas, no lodo corporativo dessas gigantes transnacionais, que abusam da ingenuidade de membros do governo e das estatais de transporte de pessoas sobre trilhos.
Para os que não se dobram, como nós, entra em cena a operação-liquida. Para lidar conosco a CPTM, tendo um grande corpo jurídico e de RH, contrata assessoria externa para planejar o nosso desmonte. Desaloja-nos da sede social, persegue dirigentes nos postos de trabalho e demite. A perseguição é tão descarada que o responsável pelas Relações Sindicais da CPTM, profissional que tem missão praticamente diplomática no relacionamento da empresa com as entidades sindicais, é o autor “pessoal” de queixa crime contra um dos dirigentes do SINFERP. Evidente que a Polícia Civil, a mesma que nunca divulgou os resultados de suas investigações quando dos tantos acidentes e incidentes na CPTM, agiu com inusitada rapidez quando diante de denúncia contra um dirigente do SINFERP. Denúncia que partiu da CPTM, empresa idônea, agora acusada de improbidade administrativa.
Como poderá notar o leitor, nossa história com a atual direção da CPTM, e com o governo do Estado de São Paulo, não nos conduz a expectativas moralizadoras quanto aos resultados das atuais denúncias.
Uma bravata aqui, uma eloquência inócua ali, e tudo tende a ficar do jeito que sempre foi. O governo colocará em ação a operação-abafa, e a direção da CPTM se manterá firme em seu curso de fazer da empresa um mero balcão de negócios.
Quanto às corporações – sejam elas de grande, médio ou de pequeno porte – mais fácil que se apresentem em público com mea culpa, que inocentem CPTM e governo, prometendo um ajuste de conduta no futuro. Arrependimento e perdão. Afinal, os escândalos passam, mas elas continuam, assim como seus únicos compradores, isto é, CPTM e governo do Estado de São Paulo. Como se sabe, é dando que se recebe. Como preferem dizer os empreiteiros, “é do couro que sai a correia”.
Éverson Paulo dos Santos Craveiro – presidente do SINFERP