quarta-feira, 10 de julho de 2013

A questão do transporte público gratuito

É possível a gratuidade do transporte público? Em tese, sim, como é a da educação e a da saúde pública. Se a educação e a saúde pública gratuita deixam a desejar, é outra discussão. Afinal, o transporte público pago também não é nenhum primor. Aliás, nem mesmo a educação e a saúde pagas são, necessariamente, símbolos de qualidade.

Bom mesmo se todos recebessem bons salários, e com eles pagar por moradia, saúde, educação e transporte, mas sabemos que isso não é verdadeiro para a maioria das pessoas em nosso país. Bom, também, se todos recebessem bons salários, e se as taxas e os impostos aplicados sobre eles pudessem assegurar moradia, saúde, educação e transporte geridos pelo Estado. Sabemos, porém, que isso não acontece e não irá acontecer - mesmo se tivéssemos todos bons salários -, pois a gestão do dinheiro público não é confiável nas caixas pretas municipal, estadual e federal.

Apesar de apreciarmos a nossa condição de “emergentes”, o fato é que continuamos sendo terceiro mundistas, e no que a expressão tem de pior: importadores de conhecimentos, de costumes, de valores e de bens que consumimos como se fossem produtos de liquidação em magazines. Lembro-me disso, na questão da gratuidade do transporte coletivo, pela persistência de “especialistas” no velho hábito de buscar experiências – a favor e contrárias – fora do país. “Ah, na França”. “Ah, na Inglaterra”. “Ah, na Colômbia”. Será que não podemos ao menos uma vez criar uma solução que seja nossa?

Em parte, é por conta desse padrão meramente imitativo e acrítico que preferimos pagar por uma educação privada de quinta categoria do que exigir uma educação pública de primeira. Preferimos pagar pela saúde privada dos planos de saúde – de acordo com a relação preço versus cobertura – do que exigir uma saúde pública de primeira. Quanto ao transporte, adquirimos veículos próprios para escapar do sofrível transporte público, mas não somamos forças aos usuários dos ônibus e trens para exigir um tratamento adequado, no mínimo com respeito à condição de usuários pagantes. Nem mesmo eles, usuários, expressam tal exigência. Motivo? Não têm organização, estão individualmente lutando pela sobrevivência, e não têm tempo para participar de manifestações. Enquanto isso vivem de promessas em promessas.

De onde poderia vir recursos para sustentar um transporte público e gratuito? Essa é a pergunta maior. Uma questão de reforma tributária, apenas?

Dizem nossos governantes que, mesmo sendo pago, o transporte público é ainda subsidiado. Dizem que, para escapar dos subsídios, o valor das tarifas deveria ser bem superior à praticada. Embora esses números invariavelmente sejam tratados a portas fechadas, e admitindo a hipótese da necessidade de subsidiar, resta saber quais medidas se fariam necessárias para que ele, o transporte público, fosse totalmente subsidiado, isto é, integralmente pago pelas receitas do Estado.

Eis uma boa discussão, e não tenho a menor ideia de como isso possa ser feito.

O que sei - embora de forma intuitiva -, é que o transporte público privado (ônibus) e o transporte individual privado (automóvel, moto e bicicleta), no que diz respeito à infraestrutura da mobilidade -, são muito subsidiados.

Ninguém vai me convencer de que as receitas advindas de IPVA sejam suficientes para construir ruas, avenidas, pontes, viadutos, manter essas obras viárias, bem como todo o aparato de sinalização, sem contar os inúmeros órgãos de trânsito. De IPTU? Não faria sentido. Aliás, tirando o benefício do serviço da coleta de lixo, para que mais serve esse imposto, lembrando que o proprietário ou locatário paga pelos serviços de fornecimento de energia elétrica, de água e de coleta e tratamento de esgoto? Em muitos municípios, paga inclusive pela construção e conservação das calçadas, e que têm uso público pelos pedestres, as grandes vítimas em todo nosso mambembe sistema de mobilidade. Parte de impostos sobre consumo de combustíveis, talvez, pois diretamente relacionados ao trânsito e poluição? Não sei.

Volta-se a falar em corredores de ônibus. Quem, entretanto, paga pela construção e conservação desses corredores, bem como pela construção e manutenção das paradas e por todo o sistema de sinalização? Os empresários dos ônibus ou o coletivo da sociedade? Qual ou quais os motivos de subsidiá-los pelo transporte de pessoas se fazem parte dessa geleia apenas com veículos, funcionários e combustível? No caso de transporte coletivo sobre trilhos, ao menos cabe ao concessionário ou operador todos os investimentos na construção e conservação do sistema (trilhos, dormentes, eletrificação, sinalização, estações, além do material rodante). Quais os gastos dos empresários de ônibus com a infraestrutura de seu uso exclusivo nos espaços públicos?

Que não venham falar em novo imposto! IPSTP – Imposto para subsídio do transporte coletivo.

O transporte público gratuito passa, portanto, por toda uma revisão do gasto público na cadeia de transportes em geral. Algo me diz - pois não tenho números para sustentar -, que a gratuidade do transporte coletivo público se resolve eliminando os subsídios diretos e indiretos que agraciam o transporte coletivo privado e o transporte individual privado. Com a palavra, porém, quem tiver acesso a esses dados, se é que alguém tenha.

Estou apenas estimulando a discussão.

Éverson Paulo dos Santos Craveiro – presidente do SINFERP