É fácil demonstrar porque o transporte de pessoas sobre trilhos, em regiões metropolitanas, deve ser público e não privado.
Diferente de ruas, avenidas e estradas, (e até mesmo do espaço aéreo, fluvial e marítimo) o leito e os trilhos das ferrovias têm uso monopolista. Não é simples, em ferrovia, pensar em várias empresas utilizando a mesma via, e tampouco em seu uso para o transporte individual. Transporte de pessoas sobre trilhos é, portanto, por contingência, de natureza coletiva.
Embora ruas, avenidas e estradas (e também portos e aeroportos) sejam normalmente públicas, sua utilização é, digamos, mais democrática, pois nelas podem circular veículos coletivos, individuais, públicos e privados. Não é assim na via férrea.
Nas ferrovias paulistas a nossa situação é paradoxal: em trilhos públicos trafegam trens privados de carga, trens públicos de passageiros e, desgraçadamente em alguns trechos, trens privados de carga e trens públicos de passageiros, concomitantemente. Essa condição afeta a velocidade e regularidade dos trens de passageiros, além de facilitar a ocorrência de eventuais acidentes. É o que acontece em algumas linhas da CPTM.
A condição monopolista da operação ferroviária tem consequências para os interesses estratégicos da nação e dos nacionais. Não cabe, nas ferrovias, o apelo à concorrência da chamada livre iniciativa. Ônibus concorre com ônibus, táxi com táxi, avião com avião, navio com navio, mas trem não tem concorrência. Até mesmo em edifícios o elevador concorre com a escada. Em trem, não.
No caso dos trens de carga, estamos acompanhando a grita, em manchetes diárias, sobre o perigo ao desenvolvimento de nossa economia, pelo fato do escoamento da maioria de nossos produtos de exportação ter se tornado refém da capacidade operacional e dos preços praticados pelas poucas empresas privadas que monopolizam o transporte ferroviário de carga. A mesma grita se faz quando se pensa no retorno dos trens regionais de passageiros (entre cidades), uma vez que as vias estão sobre o controle dessas mesmas empresas de carga, e apenas elas, por força dos contratos de concessão, podem decidir quem, quando, como e onde por elas trafegar. É o preço que todos pagamos pela privatização equivocada da malha ferroviária.
Em São Paulo, trens metropolitanos e metrô estão sob o controle direto do governo do estado, que fala agora em privatizá-los, pela transferência de sua gestão ao setor privado. A operação é a única coisa que realmente faz do trem - meio de transporte de pessoas sobre trilhos - um modal de caráter exclusivamente social, coletivo e, portanto, de interesse público.
O governo do Estado de São Paulo modernizou algumas estações, reformou e comprou novos trens – com dinheiro público – e agora fala transferir a “operação” ao setor privado. Mesma prática adotada com as estradas paulistas, mas esquecendo de que rodovias e ferrovias não são iguais. Temos alternativas para o uso das estradas (ao menos no Estado de São Paulo), mas não para as ferrovias, exceto se construídas outras para os mesmos destinos, o que seria extravagante.
No caso da CPTM, o governo fala em trocar, com empresas do setor privado, a exploração da operação de toda a Linha 9-Esmeralda, que serve de Osasco a Grajaú, com mais 16 estações intermediárias, pela construção de um trecho, de Grajaú a Varginha, com distância aproximada de apenas três quilômetros. Isso é inaceitável.
Não é necessária muita reflexão para saber que o setor privado está interessado no lucro da operação (nada errado com isso, pois vivemos em economia capitalista), e que vai maximizar seus ganhos justamente pelo controle e redução dos custos.
O concessionário, entretanto, fará da operação apenas um negócio, e será estranho se for diferente. Fará coisas que a própria CPTM e o Metrô poderiam fazer, mas, no caso delas, com missão social (que não cumprem adequadamente), além da financeira, em virtude da finalidade última do estado – a organização da vida social - e não a de mera prestadora de serviços de transporte de pessoas sobre trilhos.
O problema maior, entretanto, é outro: em todos os países do mundo, transporte metropolitano de pessoas sobre trilhos é subsidiado pelo estado. Trem metropolitano e metrô não dão lucro em nenhum lugar do mundo. Não foram feitos para dar lucro, mas para atender as necessidades individuais e coletivas da sociedade. São modais de mobilidade urbana e de desenvolvimento social e econômico da sociedade.
Nessa medida, além da racionalização do sistema visando redução de custo e maximização de lucro, é óbvio que a operadora privada vai contar, também, com subsídios do estado, isto é, de todos nós, que pagaremos duplamente pelo serviço – na tarifa e nos impostos.
Se, com tudo isso, a operadora privada não sentir-se satisfeita com a lucratividade, fará uso de medidas de pressão sobre o governo, tomando aos usuários como reféns.
Nosso sindicato tem plena consciência de que, do ponto de vista do usuário, tanto faz se o trem metropolitano é público ou privado. Ele quer um transporte bom, bonito e barato. Tem também consciência que pouco pode fazer para impedir a privatização, mas sabe o que pode fazer para que o usuário tenha excelência de serviço, seja na operação pública ou privada, e sem cair na ilusão que alguma eventual agência reguladora vai disciplinar os usos e abusos da concessionária. Lutamos contra a erradicação dos trens regionais de passageiros no Estado de São Paulo e contra a privatização da FEPASA, mas saímos todos vencidos. Temos, agora, uma longa experiência acumulada.