quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

A Política Nacional de Mobilidade Urbana e a realidade


Interessante a Lei nº 12.587 (03/01/2012), ainda que a maior parte de seu teor expresse desejos difusos, uma vez que institui diretrizes de uma Política Nacional de Mobilidade Urbana. Nessa medida, ficará por conta das interpretações dos alcaides e presidentes das províncias que formam a sexta economia do mundo.

Afinal, se é essa invejável posição no ranking econômico das nações que nos impulsiona ao TAV (Trem de Alta Velocidade), como podemos continuar a sacolejar apertados nos cata-jecas que consomem boa parte de nosso tempo apenas no exercício do direito de ir e vir, como se fossemos povo do terceiro mundo?

Os objetivos da Política, embora meritórios, são relativamente evidentes, em parte praticados, ainda que de forma questionável.

“Reduzir as desigualdades e promover a inclusão social”. Transportes públicos com tarifas aceitáveis reduzem desigualdades e promovem a inclusão social. De fato!  Resta saber se em quantidade e disponibilidade para atender as necessidades sociais. Na Região Metropolitana da Grande São Paulo, sabemos que não.

“Promover o acesso aos serviços básicos e equipamentos sociais”. Mais uma vez depende de quantidade e disponibilidade, que não são o ponto forte da Região Metropolitana da Grande São Paulo.

“Proporcionar melhoria nas condições urbanas da população no que se refere à acessibilidade e à mobilidade”. Mesmo problema dos objetivos anteriores.

“Promover o desenvolvimento sustentável com a mitigação dos custos ambientais e socioeconômicos dos deslocamentos de pessoas e cargas nas cidades”. Apenas revertendo radicalmente a matriz rodoviarista que impera nos 39 municípios da Região Metropolitana da Grande São Paulo.

“Consolidar a gestão democrática como instrumento e garantia da construção contínua do aprimoramento da mobilidade urbana”. Consolidar? Implantar seria o verbo correto. Não existe nenhuma gestão democrática em assuntos de mobilidade urbana. Políticos e tecnocratas (especialistas, como preferem) tomam decisões com base na política do puxadinho e das conveniências. Não existem projetos a curto, médio e longo prazo, e tampouco participação popular, nem mesmo para o debate sobre questões de mobilidade urbana. A rigor, as pessoas nem mesmo sabem o que é isso. Impera o classismo, facilmente observado na seguinte prática: filé mignon nas áreas nobres e sucatinhas nas periferias, e muitas vezes pelo mesmo valor de tarifa.  

Esses fatos conflitam com os princípios da Política Nacional de Mobilidade Urbana, a saber:

“Acessibilidade universal”. Não há. Nem em número, nem em gênero e nem em grau.

“Desenvolvimento sustentável das cidades, nas dimensões socioenômicas e ambientais”. Não há. Tem de tudo, e a maioria para pior.

“Equidade no acesso dos cidadãos ao transporte público coletivo”. Não há equidade. Filé mignon nas áreas nobres e filé “miau” nas periferias.

“Gestão democrática e controle social do planejamento e avaliação da Política Nacional de Mobilidade Urbana”. Nem gestão democrática e muito menos controle social, uma vez que planos – se houverem – são desconhecidos, bem como eventuais critérios e meios de avaliação.

“Segurança no deslocamento das pessoas”. Bem, basta acompanhar as estatísticas para observar que os números não são propriamente muito animadores.

“Justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do uso dos diferentes modos e serviços”. É tudo o que não existe. Os desfavorecidos pagam direta e indiretamente (ônus) pelos benefícios dos favorecidos, embora não usufruam deles em igual proporção.

“Equidade no uso do espaço público de circulação, vias e logradouros”. Nem pensar: os espaços públicos, vias e logradouros, embora custeados por toda a população, estão a serviço da mobilidade individual e privada (automóveis e motos), ou da mobilidade pública, mas privada (ônibus).

“Eficiência, eficácia e efetividade na circulação urbana”. Raramente essa tríade será atendida em um mesmo lugar, mas seguramente inexistente na maioria dos lugares.

Bonita a Lei, como se observa pelos objetivos e princípios – embora enquantodiretrizes -, e que entrará em vigor em pouco menos de 100 dias. A saber, ao menos na Região Metropolitana da Grande São Paulo, quando será transformada em realidade.

Por Rogério Centofanti