quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Rebaixamento do leito da CPTM, é?


Concessionárias de trem metropolitano e do metrô do Rio de Janeiro falam em unificar empresas.  Em São Paulo fala-se (prefeito Kassab) em rebaixamento de leito de linha da CPTM em alguns lugares, da transformação de trem metropolitanos em “metrô de superfície”, na desvalorização imobiliária das áreas próximas às estações ferroviárias, etc.

Como não acredito em excesso de coincidências, e não tenho uma visão clara do que se pretende, permito-me especular.

1. O modelo rodoviarista adotado em todos os grandes centros urbanos (principalmente em São Paulo e Rio de Janeiro) está literalmente esgotado por falta de espaço. Congestionamentos, poluição, violência, etc.

2. Os interesses econômicos que envolvem o modelo, entretanto, são extremamente poderosos, e não serão ameaçados por nenhuma força política, até mesmo porque financiam campanhas. 

3. Não bastassem os interesses econômicos dos atores do modelo rodoviarista, temos também os interesses imobiliários a eles somados.

Nessa medida, mobilidade e transporte vão muito além dos chamados interesses “públicos”. Na verdade, nunca atenderam aos interesses públicos, coletivos.  Como sempre, continua valendo a lei do poderio econômico por meio das estratificações sociais, de onde ultimamente falar-se em “gente diferenciada”. Com dinheiro privado - e escandalosamente com dinheiro público -, transportes e mobilidade sempre privilegiaram os privilegiados.

Avenidas e calçadas largas, sinalizadas e iluminadas, bem como túneis, pontes e viadutos para o trânsito de pessoas e automóveis nos “lugares nobres”, e ruas e calçadas estreitas, escuras e inseguras para pessoas e automóveis nos “lugares pobres”.  Ônibus de primeira linha nos “lugares nobres”, e de fim de linha nos “lugares pobres”. Vale o mesmo para metrô e trens metropolitanos. Isso explica, inclusive, a nítida diferença qualitativa nos quadros de gestão do Metrô e da CPTM. Gestão de primeira para públicos de primeira, e gestão de segunda para públicos de segunda.

Governos estão, porém, em situação difícil. Não podem aumentar investimentos para o atendimento de demandas dos interesses individuais e coletivos dos transportes rodoviários privados sem ferir interesses imobiliários (desapropriações, desvalorizações, etc.), e não têm capacidade financeira e nem tempo hábil para implantar uma rede de metrô que sirva a todas as necessidades de mobilidade, e que não firam interesses na superfície, uma vez que subterrâneo.

É na esteira dessa mesma equação que surgiram os monotrilhos, uma vez que promovem poucas desapropriações, transitam pelo alto da superfície, e nela pouca interferem. Pelos mesmos motivos, VLTs nem mesmo aparecem no palco das discussões. Não promovem desapropriações, mas disputam espaço com os modais rodoviários urbanos, já saturados.

Uma solução pode ser o rebaixamento do leito da ferrovia por onde trafegam os trens metropolitanos. Com essa medida os trens são “entatusados”, convertidos em metrô, para que os trilhos abram espaço para o asfalto e para os pneus, prolongando a sobrevida do rodoviarismo.

Com a nova “urbanização”, surgem oportunidades para a especulação imobiliária. Na mesma onda, está dada a oportunidade para um fato político de grande impacto: com o travestimento dos trens em metrô, a malha metroviária de São Paulo salta de seus aproximados 70 km para expressivos 330 km, sem contar, ainda, os monotrilhos.

Antes que você imagine que ganhamos todos com isso, a resposta é não: ganham alguns. Usuários de transporte sobre trilhos não ganham nada, pois a extensão das linhas continuará a mesma e, dessa forma, mantida a mesma capacidade de transporte.

Ganharão empreiteiras com as obras de “entatusamento” e pavimentação (com dinheiro público), ganharão empresários de ônibus com pistas novinhas em folha (com dinheiro público), ganharão os proprietários dos imóveis degradados que margeiam a ferrovia (com dinheiro público), e ganharão os políticos com a surpreendente expansão da rede metroviária (com dinheiro público). Mais espaço para os pneus, o mesmo espaço para os trilhos, e o mesmo e pouco espaço para as pessoas.

Viajei? Quem sabe, quem sabe...

Rogério Centofanti