A regulamentação da terceirização, tema de audiência pública do Tribunal Superior do Trabalho (TST) na semana passada, integra o debate sobre uma minirreforma trabalhista, que inclui ainda a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais. O presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), por exemplo, formou uma "câmara negocial" para tentar buscar consenso em alguns desses itens. Mas as discussões no TST mostraram que o entendimento ainda está distante.
O diretor do Departamento Sindical da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Adauto Duarte, foi na linha contrária à dos que associam terceirização com precarização. Para ele, limitar esse processo é que causaria precarização, "pois jogamos o trabalhador na informalidade". Acompanhando o discurso de todos os representantes empresariais que participaram da audiência, ele sustentou que a terceirização é uma ferramenta importante para desenvolver a competitividade das empresas brasileiras.
O presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Murilo Portugal, foi além. "O direito de contratar livremente para fins lícitos foi consagrada na nossa legislação", afirmou. "A experiência histórica demonstra que a divisão e a especialização do trabalho são elementos fundamentais", acrescentou o executivo, que disse não ver "muita lógica" na conceituação entre atividade-fim e atividade-meio da empresa.
A chamada especialização de atividades também foi mencionada pelo jurista Carlos Ari Sundfeld, da Associação Brasileira de Telecomunicações (Telebrasil). Segundo ele, alguns serviços públicos, por sua organização, "têm não só permitido, mas exigido a desagregação de suas atividades". No caso das telecomunicações, a terceirização em atividade-fim está prevista na lei geral do setor (LGT). A "presunção de fraude", diz Sundfeld, destruiria todo o modelo atual, no qual a terceirização é "natural, desejável e necessária".
Divisão capitalista
O cientista social Sávio Machado Cavalcante, que representou na audiência o Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações do Piauí (Sinttel-PI), reagiu dizendo que, no Brasil, a terceirização representa "uma forma de precarização do trabalho, é produzir mais à custa de direitos dos trabalhadores". "Muitos confundem terceirização com a própria divisão capitalista do trabalho", afirmou. Assim, o processo representou perda de benefícios, diminuição salarial, aumento da rotatividade e quebra da organização sindical, com dois terços dos trabalhadores no setor terceirizados.
Ele também contesta outro item do discurso empresarial. "A qualidade deveria aumentar. Mas todos sabemos quais são os campeões de reclamações dos usuários. A expansão da oferta não foi acompanhada de estrutura adequada suficiente", diz Cavalcante.
O professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Rodrigo Carelli cita o exemplo das explosões de bueiros no Rio para questionar o discurso da especialização. "São minas terrestres na rua. E o que o presidente da Light diz? Que o problema foi causado pela terceirização. Na passagem (de um modelo para outro), perdeu-se o conhecimento técnico", critica.
Modelo
Para o presidente nacional da CUT, Artur Henrique, o país precisa de um modelo que não privilegie o crescimento econômico, mas o desenvolvimento. Por isso, argumentou, é fundamental regulamentar a terceirização, a fim de garantir os direitos dos trabalhadores. "Nos próximos cinco anos, o Brasil pode ocupar o posto de quarta ou quinta maior potência do mundo e nós ainda convivemos com um enorme desrespeito aos trabalhadores. Se vamos ser uma potência, não podemos continuar sendo o 70º país em distribuição de renda; nem assistir a centenas de trabalhadores serem vítimas de acidentes de trabalho, muitas vezes fatais, por falta de investimentos das empresas em treinamento, qualificação."
Ele citou a conferência do trabalho decente, que será realizada no ano que vem no Brasil, como momento oportuno para analisar esse modelo de desenvolvimento. "É preciso discutir como crescer, qual a qualidade dos empregos que estamos criando."
Na semana passada, a central divulgou estudo sobre tercerização, no qual concluiu que o processo traz "jornadas maiores e ritmo de trabalho exaustivo", com menor remuneração e redução de postos de trabalho. Segundo o estudo, se a jornada de trabalho dos terceirizados fosse igual à dos contratados diretamente, seriam criadas mais de 800 mil vagas, sem considerar fatores como hora extra e banco de horas. Além disso, o tempo médio de permanência no trabalho é de 5,8 anos, ante 2,6 entre os terceirizados. Pelo levantamento, há hoje aproximadamente 10,87 milhões de terceirizados no país, que em dezembro de 2010 recebiam 27% a menos que os trabalhadores diretos.
O presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcio Pochmann, vê na terceirização uma "quase reforma trabalhista", devido às mudanças no modelo de contratação e no funcionamento do mercado de trabalho. E questionou "falsas verdades" em voga nos anos 1990, entre as quais a do fim do emprego formal. Segundo ele, atualmente nove em cada dez postos de trabalho criados são formais. "Viva a CLT", exclamou, "que apesar das críticas continua sendo referência de um padrão civilizatório". A regulação seria, para Pochmann, um meio de "fortalecer a subcontratação sadia, simultânea ao método de extirpar as ervas daninhas”.
O economista comparou a terceirização ao colesterol ("boa" e "ruim"). "A regulação pública do trabalho precisa extirpar a banda podre", diz. Entre os terceirizados, segundo Pochmann,
só um terço consegue novo emprego em até 12 meses – portanto, não conseguirá se aposentar em 35 anos. Ele criticou a terceirização no setor público, que chamou de falsa, à medida que é usada para substituir a contratação pública, sem garantir estabilidade.
Os projetos de lei sobre o tema também revelam divergências de pontos de vista. Enquanto o deputado goiano Sandro Mabel (de saída do PR para voltar ao PMDB) vê na terceirização a "evolução do mundo", o deputado Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho (PT-SP), declarou que o ideal seria não haver terceirização. O primeiro é autor do Projeto de Lei 4.330/04, que conta com a simpatia dos empresários, enquanto o ex-presidente da CUT assina o PL 1.621/07. O texto de Vicentinho veta terceirização na atividade-fim, prevê isonomia nas condições de trabalho e responsabilidade solidária das empresas contratantes em relação às terceirizadas. Durante a audiência, o parlamentar petista disse ter receio de que a Câmara legalize a precarização em vez de fixar um marco regulatório para o tema. "Seria um desastre para a nossa história", comentou.
Fonte: Vitor Nuzzi, Rede Brasil Atual