É melhor dar ouvido a quem toca piano – o pianista -, do que a quem vende piano e, portanto, se obriga a falar maravilhas sobre ele.
Revisão dos trens
Interessante saber, de maquinista experiente, que ele tem exatos 35 minutos para inspecionar um trem que sai da oficina de manutenção. Nesse período – em composições de 8 ou 12 carros – precisa aprovar ou reprovar itens como: tração, “homem-morto”, ATC (sistema de controle automático de velocidade), freios, buzina, portas, ar condicionado, freio de estacionamento, limpadores de para-brisa, iluminação, e mais alguns. Se aprovar, certamente não poderá, depois, reclamar da existência de defeitos. Nisso reside o controle de qualidade e de segurança dos trens da CPTM que entram em operação, quando saídos das oficinas: o julgamento de um maquinista em apenas 35 minutos de inspeção. Nem mesmo um supervisor para acompanhar a revisão. Se for assim, a coisa está mais para “delargação” do que para delegação.
Homem-morto
Homem-morto é um dispositivo de segurança existente em quase todos os tipos de trens. Ele precisa ser acionado de tempo em tempo pelo maquinista, pois, caso contrário, os freios entram automaticamente em ação, e o trem para. Chama-se vulgarmente homem-morto por isso mesmo: se não for acionado de tempo em tempo pelo maquinista, o sistema “entende” que o maquinista morreu, dormiu, desmaiou ou fugiu. Uma engenhoca relativamente simples, inteligente e funcional, não fosse um detalhe: às vezes não funciona.
Quando o homem-morto deixa de funcionar, o maquinista comunica o fato ao CCO (Centro de Controle Operacional), que autoriza o isolamento (desligamento) do equipamento. Nesse caso – e com o homem-morto isolado – o maquinista conduz o trem até a próxima estação, quando passará a ser acompanhado por um colega especializado. Nessa condição, o trem circulará automaticamente com velocidade de até 25 km/h.
Pois bem: nos trens mais novos da CPTM (Séries 2000, 3000, 7000, 7500 e 8000), o maquinista pode, estando em uma cabine, fazer uso remoto do homem-morto da cabine da cauda (lembrando que trem metropolitano tem cabines de comando nos dois extremos) e, nesse caso, nem mesmo necessita isolar o equipamento, e assim pode prosseguir viagem. Tal manobra, entretanto, não é possível nos trens da série 50000. Nada garante, entretanto, que o uso remoto funcione adequadamente e, nesse caso, o maquinista terá mesmo que, com autorização do CCO, isolar homem-morto, e ir até a próxima estação, em velocidade de até 25 km/h.
Pergunta: e se, com o homem morto isolado (desligado), e o trem trafegando a 25 km/h, o maquinista vier a morrer (de fato), desmaiar, dormir ou fugir? O que irá ocorrer? Uma batida a 25 km/h em algum lugar e em algum momento, sem contar a possibilidade de atropelamento de ferroviários que trabalham na via.
O tal sistema
A direção da CPTM e o secretário dos Transportes Metropolitanos estão sempre valorizando o ATC (Automatic Train Control). É um sistema que controla automaticamente a velocidade dos trens em operação. Perfeito, diz o maquinista, não fossem duas circunstancias nem sempre raras: 1) OSpeed Control (controle de velocidade) de cabine pode apresentar defeito ou 2) por necessidades de tráfego, as velocidades programadas pelo maquinista podem ser incompatíveis com os intervalos entre trens desejados pela CPTM. Nesses casos – nada raros – o CCO (Centro de Controle Operacional), com base em normas do Procedimento Operacional da própria CPTM, autoriza o maquinista a isolar (desligar) ospeed control da cabine, e tocar em frente no modo manual, dizendo a ele por qual via e até qual estação.
Pergunta: quando dos acidentes com trens da CPTM, fica registrado em algum lugar (ideal se realmente houvesse em cada cabine a caixa-preta de que fala o secretário de Transportes Metropolitanos, mas que inexiste, como na operação aeroviária) informações como essa, ou seja, se o ATC estava ou não isolado? Se estivesse, e por determinação do CCO, como proteger o tal sistema, se desativado? Se o Procedimento Operacional da CPTM permite conduzir trens com sistemas como esses desativados, de quem é a falha humana quando ocorrem falhas humanas?
Rogério Centofanti