Dois trens colidiram na noite do último sábado, dia 24 de março. Um trem de passageiros da CPTM e um trem de carga da MRS Logística.
Como o acidente ocorreu na longínqua cidade de Rio Grande da Serra (SP), em um dos extremos da linha 10-Turquesa da CPTM – e antes da “turística” Paranapiacaba -, não mereceu importância. Uma ou duas notícias, e a coisa parou por ai.
Afinal, fica na periferia, ninguém morreu, e o tráfego foi restabelecido. Importante, é claro, os trens continuarem circulando. Cidade pequena, com 37.000 habitantes, de acordo com o censo de 2.000. Ah, dane-se. Não é notícia, e talvez nem conste no currículo de acidentes da CPTM. O que ninguém diz é que os passageiros (sabe-se lá quantos) forçaram a abertura das portas para abandonarem o trem, depois da colisão. Provavelmente caminharam pelos trilhos até a plataforma. No relatório da CPTM, esses usuários “vandalizaram” o trem quando forçaram a abertura das portas. Termo interessante.
Para o Sindicato dos Ferroviários de Trens de Passageiros da Sorocabana (SINFERP), entretanto, não interessa o esquecimento. Esse acidente não é um fato isolado, mas mais um acidente nos trilhos da CPTM, e faremos constar ao menos em nossos registros.
De acordo com as poucas reportagens, a CPTM teria alegado, como causa, o maquinista do trem de passageiros da CPTM ter avançado o sinal. Não diz, e nem vai dizer, que o sinal é liberado localmente, e não pelo CCO da empresa. Não vai dizer que Rio Grande da Serra é um lugar coberto por neblina, de visibilidade ruim, principalmente à noite. Ela não questiona o sinal, o sistema e mais nada. Apenas procura pelo culpado mais evidente.
Foi o maquinista? Talvez. Mas, e se não foi? Quem foi?
Insistimos: as constantes falhas e acidentes na CPTM não são pontuais. São sistêmicas.
Vamos apontar apenas alguns dos atendimentos de avarias que conhecemos, e suas causas:
01/02 – “Funcionamento anormal do equipamento – trens sumindo na aproximação do sinal 10 de JRG” (Linha 7- Rubi – Estação Jaraguá).
01/02 – “Funcionamento anormal do equipamento – trens sumindo do 8 ao 18 de ABR” (Linha 7- Rubi – Estação Água Branca).
16/02 – “Falha de identificação no circuito de via – trens perdendo o prefixo (sumindo) na aproximação do sinal nº 10 de JRG” (linha 7-Rubi – Estação Jaraguá).
17/02 – “Funcionamento anormal do equipamento – trem sumindo do painel sinóptico na aproximação do sinal 6 de PRT via 1” (linha 7-Rubi – Estação Pirituba).
19/02 – “Falha de indicação de circuito na via – trem sumindo no trecho entre os sinais 36 BFU ao 24. Prefixo UA-175 composição J-15” (linha 7-Rubi – Estação Palmeiras – Barra Funda).
22/02 – “Funcionamento anormal do equipamento – trem desaparecendo entre vol (PL1) e BRR (PRR06) VO1S” (linha 9-Esmeralda – Estação Vila Olímpia).
25/03 – “Falha de indicação no circuito de via – sumindo ocupação de trem no circuito 32T entre os sinais 16-IPV e 24-IPV na plataforma de via auxiliar 2 de IPV”. (linha 8-Diamante – Estação Itapevi).
Todas essas falhas (estamos citando apenas as que conhecemos), e que apontam para o sumiço de trens nas telas de acompanhamento dos controladores do CCO (Centro de Controle Operacional) da CPTM, se devem a três fatores principais:
1. Aparelhos (caixas com circuitos, relês, etc.) que ficam ao longo das vias, que “traduzem” sinais da presença ou ausência dos trens nos trechos onde estão instaladas, e as enviam ao CCO. Os trens são novos, mas esses aparelhos são velhos.
2. Linhas que transmitem os sinais desses aparelhos que ficam ao longo das vias, até o CCO, onde são decodificados pelo software da Alstom, permitindo que os controladores possam “ver” os trens. São linhas (fibra ótica) antigas. Os trens são novos, mas as linhas são velhas.
3. O próprio software da Alstom, que “gerencia” todas as informações que chegam pelas linhas.
Com falhas motivadas por uma, duas ou três dessas condições, como dizer que o “sistema” funciona e que as falhas são humanas, se são essas falhas técnicas que jogam a operação sob o controle do fator humano?
Quando o trem “some” da tela, controladores do CCO e maquinistas dependem – à distância, e apenas por rádio – uns dos outros.
São nessas circunstâncias – embora não apenas nelas – que surge a prática insegura, dos controladores, de autorizarem maquinistas a “isolar” ou “neutralizar” o ATC (sistema automático de controle de velocidade dos trens) de bordo. Fazem isso obedecendo ordens "superiores".
Com essa autorização, maquinistas assumem integralmente o comando do trem, mas em operação cega para o CCO, uma vez que controladores não estão “enxergando” os trens. Nessa condição, maquinistas conduzem seus trens sem saberem ao certo o que vão encontrar pela frente, pois sem a “visão” que deveria ser a eles informada pelos controladores do CCO. Fazem isso transportando milhares de vidas, e com apenas três meses de formação.
Até quando a CPTM e o governo do Estado de São Paulo vão fazer de conta que nada disso acontece?
Artigo : Por Éverson Paulo dos Santos Craveiro – Presidente do Sindicato dos Ferroviários dos Trens de Passageiros da Sorocabana (SINFERP)