Interessante observar como muitas pessoas ainda acreditam em planejamento urbano. “Levar” empregos para os centros habitacionais, “levar” centros habitacionais para onde estão os empregos, etc.
Nada disso acontece. A cidade é movida por dinâmica própria, com base em certas circunstancias: algumas pessoas moram onde podem morar, enquanto outras onde desejam morar; a maioria, entretanto, trabalha onde pode trabalhar. Um executivo pode trabalhar e ganhar dinheiro em uma indústria instalada na periferia, mas não desejará residir na periferia. Um operário pode trabalhar em uma empresa instalada em região “nobre”, mas nãopoderá residir na mesma região. Isso não está sob o controle de nenhum planejamento.
Indústrias se instalam longe das concentrações urbanas e mudam-se justamente quando tais concentrações cercam a empresa, uma vez impedem sua expansão, geram problemas de vizinhança, e a área passa a ter valor imobiliário maior do que das instalações.
Concentrações urbanas atraem comércios e serviços. Condomínios de luxo atraem favelas, pois oferecem oportunidades para empregos domésticos. Bairros inteiros tornam-se decadentes quando as oportunidades de trabalho, que não raro lhes deram origem, mudam-se da região. Quem desconhece as “cidades mortas” de Monteiro Lobato? A “boca do luxo” de hoje pode tornar-se a “boca do lixo” de amanhã. Não há controle sobre essa dinâmica econômica e social.
No plano dos transportes coletivos, entretanto, é possível, sim, planejamentos com vistas ao futuro. Abrir estradas e linhas férreas (e impedir que sejam invadidas por quem que seja), ainda que hoje em direções “ao nada”, é assegurar que problemas previsíveis não ocorram.
É com esse pensamento que o Sindicato dos Ferroviários da Sorocabana insiste na construção de um ferroanel metropolitano, ligando entre si todas as linhas da CPTM. Essa proposta (e que não é nova), que a direção da empresa denomina de provocação - pois alega não haver demanda -, ajudaria em muito a resolver problemas de mobilidade no presente, mas principalmente no futuro.
Onde está o “planejamento” em encontrar soluções caríssimas de transporte para adensamentos que não tiveram, preventivamente, espaços públicos destinados a avenidas e linhas férreas?
Esse é o viés do conceito de demanda, hoje tão defendido por autoridades de transporte. Esperar pela demanda, para depois encontrar a solução, é o mesmo que esperar pelo roubo para depois colocar tranca na porta. O conceito de demanda é corretivo, típico de gente sem visão de futuro, preventiva, e digna do termo planejamento.
Pouca gente sabe, mas existe um leito ferroviário (já sem trilhos e dormentes, como de costume) ligando Osasco a Embu, e que está sob responsabilidade da CPTM. Está lá: criando mato, sendo aos poucos invadido, enquanto as pessoas dos municípios pelos quais passa o leito, de Osasco a Embu, não podem fazer uso de transporte de pessoas sobre trilhos.
Ainda não perguntamos às autoridades de transporte os motivos da falta de interesse na recuperação desse leito, bem como o seu respectivo uso. Mas não duvidamos que falem em falta de demanda.
Estamos nas mãos de apagadores de incêndios, de bombeiros, mas não é difícil entender a motivação: o tratamento corretivo nas UTIs é infinitamente mais caro do que o tratamento preventivo nos ambulatórios.
Quando teremos estadistas no governo, e gente comprometida com os usuários no comando de nossas empresas de transporte coletivo?
Por : Éverson Paulo dos Santos Craveiro – Vice-Presidente do Sindicato dos Ferroviários da Sorocabana.