sexta-feira, 3 de junho de 2011

Carta aberta aos ferroviários da CPTM

Ao contrário do que possa parecer para alguns ferroviários, a greve não acabou. Suspendemos a greve que estava em curso, mas ela pode ser retomada no próximo dia 10, caso o governo continue nos oferecendo as mesmas migalhas.

Nem mesmo vale a pena citar o nome da CPTM, na condição de interlocutora dessa negociação, pois ela não é nada. Não serve nem mesmo como moça de recado do governo.

Esta greve serviu ao governo como lição, possivelmente na seguinte forma: “Os ferroviários ainda estão vivos, e mordem quando acuados”.

Serviu também de lição aos ferroviários, que em boa parte das vezes se mostravam convencidos de que a solução para os seus problemas viria de algum messias ou herói.  Nem de um e nem de outro. A solução sempre esteve nas mãos dos próprios ferroviários.

Agora, ressuscitados, descobriram que mordem quando acuados, e que são dotados de mandíbulas poderosas, capazes de afastar seus fantasmas de volta ao mundo das sombras, de onde, na verdade, nunca saíram.

Por que ressuscitados?

Porque fazemos parte de uma categoria muita antiga, dotada de memória e de tradição, e não apenas em São Paulo, no Brasil, mas na maior parte das nações.

Como nos tornamos um simulacro do que um dia representamos?

Pelos constantes desmontes. Quando sucataram a ferrovia sucataram também o ferroviário. O advento do metrô, e junto com ele a criação da figura até então inexistente do metroviário, foi uma forma de apagar a luz histórica da ferrovia – posto que metrô nada mais seja do um trem – e inventar o novo para as camadas sociais e econômicas mais privilegiadas, reservando ao ferroviário o periférico, o subúrbio, o pobre, o sofrido.

Essa consciência de público é mais um motivo para darmos trégua em nossa greve, pois, com a continuidade dela, estaríamos apenas penalizando os iguais, isto é, os que, como nós, são tratados como periféricos, suburbanos (abaixo da urbanidade), pobres e sofridos.

Esta greve teve até agora para nós, ferroviários, um imenso valor simbólico. Resgatamos nossa força perante os outros, mas principalmente perante nós mesmos. Mostramos para todos, mas principalmente para nós, que trens e ferroviários são fundamentais para o equilíbrio da mobilidade social e econômica da macrometrópole.

Não somos secundários e periféricos como querem nos tratar e, de certa forma, como olhados por nós mesmos. Somos essenciais, centrais e capazes de solucionar os problemas de trânsito e de transporte nos grandes centros urbanos e interurbanos.

A continuidade de nossa luta, visando o completo resgate de nossa identidade, passará em fase próxima ao combate, entre nós, da prática da terceirização, uma vez que, além de ser uma excrecência no mundo trabalho, é também uma forma de desmonte do ferroviário.  Terceirizar a atividade ferroviária é canibalizar a atividade ferroviária, da mesma forma que forçados, nos habituamos a canibalizar os trens para que o sistema continue em operação.

Vamos lutar para por um fim em tudo isso, e resgatar a importância do modal e da categoria.

Não basta essa luta, entretanto, se não ajudarmos nossos usuários no resgate de uma condição que nem mesmo imaginam ter – o direito ao melhor trem metropolitano que o dinheiro pode comprar. Esse é o espírito da Campanha São Paulo TREM Jeito, e peço a todos os ferroviários que dela tomem conhecimento e a abracem, pois do espírito e dos resultados dela, dependem o renascer do modal e, com ele, do ferroviário.

Estamos todos de parabéns.

Éverson Paulo dos Santos Craveiro – vice-presidente do Sindicato dos Ferroviários da Sorocabana