segunda-feira, 27 de junho de 2011

O conservadorismo da política de transportes de São Paulo (artigo)

Interessante notar, em tempo da monomania dos especialistas, como o drama das grandes cidades é tratado. Exceto para quem nasceu hoje, pode ficar a impressão de que os problemas surgiram de uma hora para outra, e recentemente.

O termo da moda é mobilidade. Especialistas em mobilidade surgem de todos os cantos com suas soluções, na maioria das vezes meramente conservadoras.

Fala-se também em adensamento e em outras expressões que, ao fim e ao cabo, dizem o que todo mundo sabe - embora sem emprego dos jargões pós-modernos -, ou seja, que está a cada dia mais complicado resolver, ao mesmo tempo, a equação trabalho, moradia e locomoção em São Paulo e na Grande São Paulo, além do binômio trânsito e poluição.

Essa complicação não é nova. Apenas tornou-se mais gritante depois que as facilidades de crédito permitiram a realização do sonho do carro próprio. Antes dessa novidade, entretanto, o transporte coletivo nunca atendeu adequadamente as necessidades das pessoas.

Propostas surreais despontam de vários pontos, em especial na onda do politicamente correto: substituir automóveis por bicicletas, carona solidária, residência próxima ao local de trabalho, etc. Como se tais ações dependessem apenas da vontade individual, e fossem cabíveis na maioria dos casos.

A tendência é, como de costume, transferir ao indivíduo as falhas de uma administração que vão além de sua governabilidade.

- Se cada um fizer a sua parte...

Com base nesse tipo de pensamento o estado transferiu ao setor privado as responsabilidades para com a educação, saúde e transporte. O estado “provê”, mas por meio de concessões, e fica sendo essa medida “a parte” do próprio estado.

A grande metrópole, agora ampliada, tem problemas compatíveis com seu próprio gigantismo. Tudo nela é diversificado, e nenhuma fórmula - sob a tutela “mágica” do planejamento -, é capaz de solucionar. Talvez mais do que em qualquer outro canto do país, se existe lugar onde as pessoas literalmente “fazem a sua parte”, esse lugar chama-se São Paulo. Fosse diferente e teríamos um verdadeiro caos nos relacionamentos, e que inexiste.

Cada um vive como sabe, quer e pode. Iguais por opção ou por necessidade formam “tribos” ou mesmo “guetos”, mas nem por isso a teia das relações torna-se cenário de conflitos. Nessa medida, pouco há o que cobrar das pessoas.

No caso dos transportes, há uma consciência em favor do modal sobre trilhos, mas ele é o único que não pode ser individualizado e, nessa medida, incapaz de ser repassado para a bacia das almas “da parte” das pessoas. Também não é simples, no caso dos transportes sobre trilhos, falar em concessão, pois os próprios trilhos geram uma condição monopolista de tráfego.

Investimento caro? Sem dúvida, principalmente depois de décadas e décadas sem investimentos capazes de valorizar o modal ferroviário, mas com total facilitação do modal rodoviário individual (carros, motos, caminhões) e coletivo (ônibus).

Temos excesso de avenidas e falta de trilhos. Temos excesso de veículos sobre pneus e falta de veículos sobre trilhos.

Circundar a grande metrópole por trilhos (ferroanel metropolitano) e cruza-la por trilhos, parece ser a única forma de resolver a questão do transporte, do trânsito e da poluição. Nessa medida, há espaço para trens metropolitanos, metrô, vlts, monotrilhos e aeromoveis, uma vez que todos atendem e bem, ainda que dentro de suas vocações específicas.

O que se observa neste blog, entretanto, é que vltsmonotrilhos e aeromoveissurgem em estados da federação onde os problemas da denominada mobilidade urbana são menos críticos, mas são desprezados justamente onde poderiam ser mais e melhor utilizados – em São Paulo e na Grande São Paulo. Esta rica região trata a eles com uma timidez que não condiz com a fama revolucionária de “locomotiva” do país.

É chegada a hora de o estado fazer a parte dele.

Rogério Centofanti