A greve dos bombeiros militares do Rio de Janeiro causa-me extrema comoção, em especial porque, como dirigente sindical ferroviário, que acaba de estar à frente de uma greve, faz-me ver semelhanças, embora as peculiaridades das categorias e dos movimentos sejam diferentes sob muitos aspectos.
Como os ferroviários de São Paulo, os bombeiros do Rio de Janeiro prestam um serviço considerado essencial, mas, quando reivindicam reajustes salariais bastante razoáveis, merecem do patrão comum – seus respectivos governadores – um atendimento meramente acessório.
No caso dos ferroviários paulistas, questiona-se o prejuízo econômico causado pela greve. Afinal, São Paulo não pode parar, tempo é dinheiro, condição na qual o transporte de pessoas é apenas um elemento de custo, e tratado como tal. Gritam os barões da indústria, do comércio, dos setores de serviços e de bens de capital, que a greve dos ferroviários trouxe prejuízos. Isso faz pensar: somos, afinal, essenciais para os interesses de quem?
Amontoar toda essa gente dentro de “vagões” (nem mesmo sabem que são “carros”), sujeita a assaltos, roubos, violência e risco de acidentes não importa, nenhuma voz se levanta contra isso, nenhuma autoridade atua sobre tamanha indignidade, mas forças se insurgem contra os ferroviários quando, em medida extrema apenas para manter o governo na mesa de negociação, decidem cruzar os braços.
No caso da greve dos ferroviários paulistas, não houve passeata, piquete, arrastão ou qualquer outro recurso que pudesse dar margem à menor suspeita de violência. O ferroviário parou por consciência, e quem fechou as portas das estações foi a empresa, e não os grevistas.
No caso da greve dos bombeiros do Rio, a situação tomou dimensões dramáticas, depois que os paredistas resolveram ocupar o quartel em que trabalham. Imagens da TV demonstram que até tiros de fuzil foram disparados pelos “pares” com a finalidade de desalojá-los. Cenas tristes, lamentáveis, desnecessárias, como a dos grevistas sendo conduzidos em ônibus escoltados e conduzidos a presídios. Foram tratados como bandidos, traficantes.
Em ambas as situações, embora diferentes quanto ao encaminhamento e consequências, continua a pergunta: por que os trabalhadores dos serviços denominados essenciais não podem merecer o mesmo tratamento dos demais trabalhadores aos quais eles servem?
Bombeiros têm da população um nítido reconhecimento e carinho pela importância de suas atividades. Eles atuam em momentos dramáticos, motivo de serem elogiados - da parte dos que hoje os tratam como vândalos - na condição de heróis.
Ferroviários fazem interface cotidiana com o povo que se utiliza do modal, e muitas vezes sofrem na pele o preço da ira dos usuários contra a negligência e o descaso do sistema, sobre o qual têm pouca governabilidade.
Que culpa tem o ferroviário se não existem trens para atender a demanda? Que culpa tem o ferroviário se trens param na via por conta de uma manutenção insuficiente e inadequada? Que culpa tem o ferroviário se as estações são meros “piquetes de carga”, como aqueles para transporte de gado?
Ao contribuinte, entretanto, e com razão, pouco importa saber por que um edifício está em chamas. Ele espera que o bombeiro atue, e atua.
Ao usuário dos trens, e também com razão, pouco importa saber por que as composições não atendem adequadamente as suas necessidades. Ele espera que o ferroviário resolva, e resolve na medida do possível, ainda que muitas vezes na “gambiarra”.
Por que, portanto, não podem essas categorias essenciais receber dos governos ao menos os mesmos direitos dos trabalhadores aos quais servem, dentre eles o exercício da exaustiva negociação, e o pleno direito de greve como recurso extremo?
Se não podem fazer greve, como os demais, precisam ao menos de garantias da negociação plena. O que não cabe, em nome da essencialidade, é impedi-los de negociar com os mesmos direitos e recursos dos demais trabalhadores.
A restrição ao exercício da greve torna os trabalhadores dos serviços denominados essenciais reféns de seus patrões (governos, na maioria das vezes), que usam e abusam dessa condição privilegiada, e que dispensam a eles a condição de cidadãos acessórios, trabalhadores de segunda classe.
Éverson Paulo dos Santos Craveiro – vice-presidente do Sindicato dos Ferroviários da Sorocabana