Se acidentes formam (ou deveriam formar) a preocupação maior de construtores, mantenedores e operadores de qualquer modal de transporte de pessoas, por dedução pode-se imaginar que segurança deva ser ovalor primeiro no pensamento e nas ações desses atores.
Esse valor é facilmente observado no transporte aéreo de passageiros. Desde cuidados com detalhes nos aeroportos, até detalhes nas operações de embarque e desembarque, sem dizer nos detalhes de bordo.
Vemos que segurança é valor nas estações, nos acessos, nas plataformas, nos procedimentos e nas composições do metrô.
Vemos esse mesmo valor no sistema (estações, acessos, plataformas, procedimentos e composições) de trens metropolitanos da CPTM? Se tomarmos os aeroportos, as companhias aéreas e o coirmão metrô como parâmetros, podemos literalmente afirmar que não.
É óbvio que, se tomarmos a bandalheira da SuperVia (trem metropolitano privado do Rio de Janeiro) como modelo para comparação, a CPTM é um exemplo de virtudes. Mas, como não estamos no Rio de Janeiro, vamos ficar com os correlatos paulistas.
Segurança não significa ver dois agentes terceirizados andando para lá e para cá – no estilo Cosme e Damião - nas plataformas, e tampouco a garantia de que os trens circulam com as portas fechadas.
Segurança é - além de uma questão material -, uma sensação, mas que forma-se a partir de impressões compostas por “sinais” materiais.
Os entornos das estações ferroviárias são horríveis. Ambientes escuros, sujos, abandonados, degradados, compostos de comércios molambentos, e de personagens sinistros.
As estações são feias, desprovidas de qualquer estética, construídas com materiais de segunda, sujas, escuras, descuidadas, e convidativas apenas para a passagem (de onde passageiros) mais rápida possível. Nada nelas evoca sentimentos de admiração, contemplação ou orgulho. Não têm nenhum conforto, nem mesmo o mínimo para atender necessidades primárias de seus passageiros (daqueles que estão de passagem). Mesmo nas recém informadas impera o espírito do puxadinho funcional.
Plataformas inseguras, desprovidas de sinalização e de agentes orientados para informação e cuidado dos usuários. É um verdadeiro perigo ficar na linha de frente quando lotada de passageiros a espera do próximo trem, sem contar a ausência dos referidos agentes para disciplinar entrada e saída de passageiros. Salve-se quem puder.
A distância e a altura entre a plataforma e a porta do trem são variáveis, e quase sempre para pior, isto é, concorrem para com a insegurança no embarque e desembarque. De repente, o trem apita, fecham-se as portas e parte. Salve-se quem puder.
Dentro das composições, continuam os “sinais” de descuido e insegurança. Nem sempre funcionam os autofalantes que anunciam as estações, e os painéis de indicação luminosa delas, nos trens novos, simplesmente estão desativados. Nas composições antigas, os vidros (na verdade acrílicos) estão tão riscados que é impossível ver o que passa no exterior. Talvez para que o passageiro não veja a feiura das vias, dos muros e a ferrugem dos pórticos. Nas estações, indicativos do local ficam concentrados em poucos pontos, sem que o passageiro saiba onde está. Salve-se quem puder.
Se o trem quebrar no meio do trajeto (o que não é incomum), os passageiros precisam literalmente saltar para os pedregulhos da via, de uma altura perigosa até mesmo para jovens em boa forma física, correndo riscos de todas as espécies. Nem escadas e nem agentes para ajudar. Salve-se quem puder. Na verdade, salvam uns aos outros, por conta da solidariedade típica dos sofredores. Ao exemplo de tudo, entregues a própria sorte.
Quem não cuida nem mesmo dos sinais exteriores, o que dizer daqueles ainda mais importantes, e que não estão sob o olhar ou capacidade de avaliação crítica dos usuários?
Dizem que o melhor lugar para conhecer a higiene de um restaurante não é o salão de serviço e nem a cozinha, mas o banheiro. Correto.
Se a preocupação com segurança da CPTM é a que mostra pela porta da frente, qual será a da porta do fundo? Bem, talvez o lado que dela conhecemos seja a porta do fundo.
O povo não ajuda, dizem os administradores. Não ajuda, é verdade, mas quem cuida do que nem o dono (ou administrador) cuida?
Estações de trens metropolitanos não podem ser dimensionadas - por seus administradores -, como se fossem estações rodoviárias, cujo descaso também não se justifica. Seus usuários costumam ser cativos, são usuais, mais do que meros usuários.
As pessoas cuidam do que gostam - como de praças e lugares públicos dos quais se apropriam -, isto é, que dê a elas um sentimento de pertinência. A direção da CPTM não tem capacidade de pensar, e menos ainda de criar ambiência para tal. Não é capaz de emprestar alguma alma as suas dependências e serviços.
A impressão que fica é que seus administradores estão convencidos da situação frágil de seus passageiros – normalmente sem outras opções de transporte – e faz deles reféns do “para eles está muito bom”. Afinal, estão aumentando o número de trens, reduzindo os intervalos entre eles e, portanto, danem-se os passageiros se não oferecem “perfumarias”, dentre elas a segurança, que vai muito além do mero viver ou morrer.
Exagero? Para quem desconhece, basta perguntar para qualquer usuário, que, na melhor das hipóteses dirá – “já foi pior”.
Por : Rogério Centofanti