segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

As mortes na CPTM que não podem cair no esquecimento dos ferroviários

Nosso sindicato está fazendo o possível para reverter a injustiça da qual nossos colegas falecidos foram vítimas: serem acusados pela direção da CPTM de culpados pela própria morte. Foram, portanto, vitimados duas vezes – pelos acidentes e pelas acusações da direção da CPTM.

Com a responsabilidade e maturidade que a situação exige, fizemos um levantamento sobre os acidentes, conversamos direta e indiretamente com pessoas envolvidas, nos cercamos de documentos, etc. De posse desses dados redigimos e enviamos nota para muitos veículos de comunicação, visando apresentar a versão dos ferroviários e defender os colegas mortos das acusações irresponsáveis a eles imputadas pela direção da CPTM.

A nota foi a seguinte:

O Sindicato dos Ferroviários da Sorocabana – base CPTM – apresenta informações objetivas que apurou até o momento sobre os dois acidentes – ocorridos em espaço de cinco dias -, que vitimaram cinco trabalhadores.

Os dois acidentes se deveram a uma sucessão de descuidos, isto é, “as normas para execução de obras e serviços ao longo da via férrea” não foram cumpridas principalmente por terceiros que deveriam estar envolvidos nos serviços dos ferroviários vitimados, mais do que pelos executantes, como sentenciou de imediato a direção da CPTM.

Item b, 4.2 (Proteção Coletiva) da NS.DO/002 da CPTM: “Em serviços ao longo da via que necessitem cautela disponibilizar, no decorrer do período de trabalho,dois sinaleiros com apitos apropriados que devem ficar a 450 m atrás e a 450 m à frente do local dos trabalhos. Quando se tratar de curvas ou locais de difícil audição, atentar para a necessidade de colocar, a uma distância menor do obstáculo, outros sinaleiros com apitos ou prever sistema sonoro e/ou visual automático, que indique a aproximação de trem. O local de execução dos serviços deve ser identificado e todos os empregados informados sobre a área de escape, na eminência de circulação de trens no trecho de serviço.”

No primeiro acidente (27/11), os ferroviários tinham uma ordem de serviço: os trens “deverão sair da Oficina Engenheiro São Paulo e executar teste de rampa na Estação Dom Bosco”. Continua a ordem: “após os testes, os TUEs (os dois trens em teste) retornam para a Oficina São Paulo. Tração: providenciar piloto”.  Os trens não saíram da Oficina Engenheiro São Paulo – pois estavam estacionados no trecho - e os ferroviários (inclusive piloto e maquinista) a eles chegaram de “carona” em outro trem. Terminado o serviço - por motivos que cabe a CPTM esclarecer -, os ferroviários regressaram pelos trilhos, pois não havia trem para trazê-los de volta, e tampouco área de escape. Foi nessa condição que foram atropelados. Como se observa, uma ordem de serviço liberada por gestores da empresa não ocorreu conforme prevista e descrita. Também não se fez acompanhar por nenhum dos procedimentos da NS.DO/002 acima descritos.  Em resumo: tudo falhou.

No segundo acidente (02/12), os ferroviários também tinham uma ordem de serviço: realizar “inspeção e levantamento topográfico”, ao “longo da linha”. Isto significa verificar o estado de trilhos, dormentes, fixadores, etc. Parte dessas atividades consiste, por exemplo, em medir desgaste dos trilhos, etc., - e devidas anotações - o que implica em trabalhar na linha, e não ao lado dela. O trabalho, de acordo com a ordem de serviço, seria executado “sem interferência operacional” (medições apenas, portanto), “sendo obedecidas as normas e procedimentos vigentes”. Ao exemplo do primeiro acidente, nenhum dos cuidados descritos na NS.DO/002 (acima) foi providenciado pelos setores competentes da empresa. Enquanto trabalhavam, mesmo sem as medidas de segurança exigidas – e tampouco a eles providenciadas -, um trem por eles passou. Quando no destino, o maquinista desse trem foi comunicado que deveria retornar, mas no “sentido contrário”, isto é, pela mesma via na qual estava trafegando. Sem ser comunicado da presença dos colegas que ainda trabalhavam na via, e eles que o trem retornaria pela mesma linha (além da ausência de sinalização), deu-se o choque, e ambos morreram. Em resumo: tudo falhou.

O Sindicato está a disposição para maiores esclarecimentos, bem como para apresentação dos documentos de que dispõe.

A mensagem é objetiva, concisa, mas contém elementos que podemos provar, inclusive com base documental.

Até o momento nenhum desses veículos nos procurou para obter maiores esclarecimentos. Para a grande mídia o “caso” dos ferroviários mortos é passado, prato requentado. Não podemos fazer nada quanto a isso, pois essa é a natureza do negócio das comunicações. A CPTM dará a história por encerrada, e o Secretário dos Transportes Metropolitanos sentenciou que os acidentes foram “fatos isolados”.

Quem precisa manter esse “caso” aberto somos nós – ferroviários. Uma iniciativa notável partiu espontaneamente de ferroviários, com o cancelamento da festa de final de ano que seria promovida pelos colegas das oficinas de Presidente Altino. Afinal, comemorar o que?

O sindicato está procurando maneiras de participar diretamente das investigações. No plano jurídico, atuaremos nos campos sindical, cível e criminal. Fomos informados de que a 3ª Delegacia de Investigação de Infrações do Ambiente de Trabalho - que investiga o primeiro dos dois acidentes – foi extintaimediatamente depois do segundo, e estamos apurando a veracidade, que, se confirmada, é muito grave.

Aprendemos na greve deste ano que não podemos contar com nada e com ninguém. Aprendemos, entretanto, a contar conosco – os ferroviários.

Éverson Paulo dos Santos Craveiro – vice-presidente do Sindicato dos Ferroviários da Sorocabana